sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Educação estagnada



Por Naercio Menezes Filho - Valor 28/09

O IBGE acaba de divulgar os resultados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), referente ao ano de 2011. Essa pesquisa dá um panorama da situação econômica e social do Brasil atual e permite uma comparação interessante ao longo do tempo. Os números nas áreas de educação e trabalho despertam muito interesse. Como se sabe, para acabar com a pobreza e desigualdade no longo prazo e para competir com os trabalhadores coreanos e chineses, é necessário qualificar os nossos futuros trabalhadores. O que mostram os números?

Na realidade, os números na educação foram decepcionantes. Apesar de continuarmos com avanços importantes nas áreas de pobreza e desigualdade, houve nítida desaceleração no acesso à escola por parte da população jovem nos anos recentes. A figura abaixo mostra as variações nas taxas de frequência à escola e de trabalho entre os jovens de 15 a 17 e de 18 a 22 anos de idade em dois períodos: 1995-2003 e 2003-2011.

No primeiro período, houve um grande aumento na frequência escolar entre os mais jovens, de 15 pontos percentuais. Porém, entre 2003 e 2011 o aumento foi de apenas 2 pontos. Com relação ao trabalho, se entre 1995 e 2003 a redução da porcentagem de jovens trabalhadores foi de 14 pontos, no período recente foi de apenas 6 pontos. Vale notar que, se no período anterior o aumento no estudo foi superior à redução do trabalho, no período recente aconteceu o inverso, ou seja, a redução no trabalho foi maior do que o aumento na frequência escolar.

No grupo de 18 a 22 anos de idade, que deveria estar frequentando a faculdade, a situação é ainda mais grave. Se a taxa de frequência escolar (primordialmente ensino superior) aumentou 7 pontos percentuais entre 1995 e 2003, ela diminuiu 5 pontos entre 2003 e 2011! Além disso, no período inicial a porcentagem de jovens trabalhadores diminuiu 6 pontos, mas no período recente aumentou 3 pontos. Também nesse caso, enquanto no período anterior o aumento da escolaridade foi maior que a redução do trabalho, no período recente ocorreu o contrário, ou seja, a redução no acesso à escola foi maior que o aumento do trabalho.

Assim, os dados mostram claramente que o grande crescimento no acesso à escola ocorrido entre meados de década de 90 e dos anos 2000, chegou ao fim. Isso é muito preocupante, pois ainda estamos longe de termos uma situação satisfatória em termos educacionais. A porcentagem de pessoas adultas com ensino médio concluído no Brasil é de apenas 25% e com ensino superior completo é 10%. Nos EUA, já em 1960 mais de 60% dos trabalhadores tinham pelo menos ensino médio completo e hoje em dia, quase 90% da população está nessa situação.

Quais as razões para essa estagnação educacional? Os dois principais fatores são a baixa qualidade do ensino e a redução dos diferenciais de salário associados à educação no Brasil. Começando pelo último fator, um trabalhador que concluísse o ensino médio em 1995 ganhava, no começo de sua carreira, 44% mais do que aquele que só havia concluído o ensino fundamental. Hoje em dia, ganha apenas 13% mais. O grande aumento no número de concluintes no ensino médio ao longo da década passada diminuiu o salário relativo dos concluintes. Lei da oferta e da procura. Além disso, com o aumento do salário dos trabalhadores menos qualificados, fruto de aumentos no salário mínimo e da demanda por setores que empregam intensivamente esses trabalhadores, o custo de oportunidade de cursar tanto o ensino médio como o ensino superior aumentou.

Além disso, todos sabem que a qualidade do ensino médio público é muito baixa e sua estrutura desestimulante. O jovem que frequenta esse nível tem muitas dificuldades para aprender algo que seja útil para o mercado de trabalho. Isso ocorre não só pelas deficiências de aprendizado do próprio jovem, que foram se acumulando ao longo do tempo, mas também porque o ensino médio tradicional tem disciplinas demais e muito abstratas. No caso do ensino superior, a grande maioria das vagas disponíveis está em áreas que já estão com o mercado de trabalho saturado. Assim, aqueles que podem adiar a opção de estudar, frente a um mercado de trabalho aquecido, o fazem imediatamente.

Quais as soluções para trazer o jovem de volta para a escola? Reestruturar parte do ensino médio numa direção mais profissionalizante, melhorar a qualidade do ensino fundamental, começando pela creche e pré-escola e aumentar a oferta de vagas em carreiras que o mercado realmente precisa, nas áreas de ciências exatas e tecnológicas.



Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Ferreira Gullar - Uma visão crítica das coisas



Veja - 24/09/2012



"O poeta diz que o socialismo não faz mais sentido, recusa o rótulo de direitista e ataca: Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é"

Um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, Ferreira Gullar, 82 anos, foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, no Chile e na Argentina. Desiludiu-se do socialismo em todas as suas formas e hoje acha o capitalismo "invencível". E autor de versos clássicos — "À vida falta uma parte / — seria o lado de fora — / para que se visse passar / ao mesmo tempo que passa /. e no final fosse apenas / um tempo de que se acorda / não um sono sem resposta. / À vida falta uma porta". Gullar teve dois filhos afligidos pela esquizofrenia. Um deles morreu. O poeta narra o drama familiar e faz a defesa da internação em hospitais psiquiátricos dos doentes em fase aguda. Sobre seu ofício, diz: "Tem de haver espanto, não se faz poesia a frio".

O senhor já disse que "se bacharelou em subversão" em Moscou e escreveu um poema em que a moça era "quase tão bonita quanto a revolução cubana". Como se deu sua desilusão com a utopia comunista?

Não houve nenhum fato determinado. Nenhuma decepção específica. Foi uma questão de reflexão, de experiência de vida, de as coisas irem acontecendo, não só comigo, mas no contexto internacional. É fato que as coisas mudaram. O socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era bastante crítica. A derrocada do socialismo não se deu ao cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. Voltei a Moscou há alguns anos. O túmulo do Lenin está ali na Praça Vermelha, mas pelo resto da cidade só se veem anúncios da Coca-Cola. Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser agora que esse sistema vai vencer.

Por que o capitalismo venceu?

O capitalismo do século XIX era realmente uma coisa abominável, com um nível de exploração inaceitável. As pessoas com espírito de solidariedade e com sentimento de justiça se revoltaram contra aquilo. O Manifesto Comunista, de Marx, em 1848, e o movimento que se seguiu tiveram um papel importante para mudar a sociedade. A luta dos trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos direitos, tudo isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que está errado é achar, como Marx diz, que quem produza riqueza é o trabalhador e o capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro. O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz coisas novas. A visão de que só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária. A partir dessa miopia, tudo o mais deu errado para o campo socialista. Mas é um equívoco concluir que a derrocada do socialismo seja a prova de que o capitalismo é inteiramente bom. O capitalismo é a expressão do egoísmo, da voracidade humana, da ganância. O ser humano é isso, com raras exceções.

O capitalismo é forte porque é instintivo. O socialismo foi um sonho maravilhoso, uma realidade inventada que tinha como objetivo criar uma sociedade melhor. O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível. A força que toma o capitalismo invencível vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento.

0 senhor se considera um direitista?

Eu, de direita? Era só o que faltava.A questão é muito clara. Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é. Pensar isso a meu respeito não é honesto. Porque o que estou dizendo é que o socialismo acabou, estabeleceu ditaduras, não criou democracia em lugar algum e matou gente em quantidade. Isso tudo é verdade. Não estou inventando.

E Cuba?

Não posso defender um regime sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo.

Como o senhor define sua visão política?

Não acho que o capitalismo seja justo.

O capitalismo é uma fatalidade, não tem saída. Ele produz desigualdade e exploração. A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que resolve isso. A função do estado é impedir que o capitalismo leve a exploração ao nível que ele quer levar.

Qual a sua visão do governo Dilma Roussef?

Dilma é uma mulher honesta, não rouba, não tem a característica da demagogia. Mas ela foi posta no poder pelo Lula. Assim, não tem autoridade moral para dizer não a ele. Nesse aspecto, é prisioneira dele.

Como o senhor avalia a perspectiva de condenação dos réus do mensalão?

O julgamento não vai alterar o curso da história brasileira de uma hora para a outra. Mas o que o Supremo está fazendo é muito importante. É uma coisa altamente positiva para a sociedade. Punir corruptos, pessoas que se aproveitaram de posições dentro do governo, é uma chama de esperança.

O senhor se identifica com algum partido político atual?

Eu fui do Partido Comunista, mas era moderado. Nunca defendi a luta armada. A luta armada só ajudou mesmo a justificar a ação da linha dura militar, que queria aniquilar seus oponentes. Quando fui preso, em 1968, fui classificado como prisioneiro de guerra. O argumento dos militares era, e é, irrespondível: quem pega em armas quer matar, então deve estar preparado para morrer.

O senhor condena quem pegou em armas para lutar contra o regime militar?

Quem aderiu à luta armada foram pessoas generosas, íntegras, tanto que algumas sacrificaram sua vida. Mas por um equívoco. Você tem de ter uma visão critica das coisas, não pode ficar eternamente se deixando levar por revolta, por ressentimentos. A melhor coisa para o inimigo é o outro perder a cabeça. Lutar contra quem está lúcido é mais difícil do que lutar contra um desvairado.

Como se justifica sua defesa da internação o tratamento da esquizofrenia?

As pessoas usam a palavra manicômio para desmoralizar os hospitais psiquiátricos. Internei meu filho em hospitais que têm piscina, salão de jogos, biblioteca. Mesmo os públicos não têm mais a camisa de força ou sala com grades. Tive dois filhos esquizofrênicos. Um morreu, o outro está vivo, mas não tem mais o problema no mesmo grau. Controlou com remédio, e a idade também ajuda. A esquizofrenia surge na adolescência e se junta à impetuosidade. Com o tempo, a pessoa vai amadurecendo. Doença é doença, não é a gente. Se estou gripado, a gripe não sou eu. A esquizofrenia é uma doença, mas eu não sou a esquizofrenia. Posso evoluir, me tornar uma pessoa mais madura, debaixo de toda aquela confusão. O esquizofrênico com 50 anos não é o mesmo de quando tinha 17.

Qual o pior momento na sua convivência com filhos esquizofrênicos?

Quando a pessoa entra em surto, ela pode se jogar pela janela. Meu filho, o Paulo, se jogou. Hoje ele anda mancando porque sofreu uma lesão na coluna. Ele conversava comigo, via televisão, brincava, lia meus poemas. Em surto, não tinha controle. Queria estrangular a empregada. Nessas horas, a única maneira é internar e medicar. Nesse estado, sem nenhum socorro, o esquizofrênico pode fazer qualquer coisa.

A família pobre faz o quê, se não tem mais onde internar?

Se mantiver a pessoa em casa, ela poderá tocar fogo em tudo, pegar uma faca e tentar assassinar o pai. Poderá fugir para a rua, desvairada. Essa política contra os hospitais psiquiátricos tem como resultado prático uma tragédia em que os ricos internam seus filhos em clínicas particulares e os pobres morrem na rua. Quando ouço alguém dizer que as famílias internam os filhos porque querem se ver livres deles, só posso pensar que essa pessoa gosta dos meus filhos mais do que eu. Nunca viu meu filho, mas ama meu filho mais do que eu. Absurdo. Você não sabe o que é uma família ter um filho esquizofrênico. Além do problema do tratamento, existe o desespero de não saber o que fazer. Os hospitais psiquiátricos continuam a existir porque os médicos sabem que não há outra saída. Não se interna um doente para que ele fique vinte anos lá dentro, mas sim três dias, três meses. Meus filhos nunca ficaram internados além do tempo necessário. Eles voltavam para casa normais. Era uma alegria. Nenhuma família quer ter seu filho preso.

Como foi a primeira vez que se defrontou com a doença?

O primeiro surto do Paulo foi no exílio, em Buenos Aires. Um dia, no apartamento, a gente estava brincando, a bola desceu pela escada, ele saiu para pegá-la e não voltou. Desci, ele tinha sumido. Em que direção eu ando? Voltei para casa e fiquei chorando, não sabia o que fazer. Paulo ficou meses sumido. Isso foi em 1974, logo que cheguei a Buenos Aires. Terminei encontrando-o preso. No desvario, ele tentou roubar um carro — não sabia nem dirigir — e foi preso. Fez greve de fome. Estava esquelético.

O policial disse que era preciso uma ordem para soltá-lo, porque era menor. Mas deixou que eu levasse meu filho, porque sabia que ele estava doente. Levei o Paulo para casa. Ele entrou e começou a arrebentar a janela. Morávamos no 5o andar. Ele foi internado. Até o dia em que, esperto como é, sumiu do hospital, para sempre. Foi encontrado em São Paulo. Saiu de Buenos Aires sem um tostão, com a roupa do corpo. Esses episódios não têm fim.

Como é seu método para fazer poesia?

Já fiquei doze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há onze anos. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema... Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.

O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.

A idade é uma aliada ou uma inimiga do poeta?

Com o avanço da idade, diminuem a vontade e a inspiração. A gente passa a se espantar menos. Tem poeta que não se espanta mais, mas insiste em continuar escrevendo, não quer se dar por vencido. Então ele começa a escrever bobagens ou coisas sem a mesma qualidade das que produzia antes. Saber fazer ele sabe, mas é só técnica, falta alguma coisa. Não se faz poesia a frio. Isso não vai acontecer comigo. Sem o espanto, eu não faço. Escrever só para fazer de conta, não faço. Eu vou morrer. O poeta que tem dentro de mim também. Tudo acaba um dia. Quando o poeta dentro de mim morrer, não escrevo mais. Não vou forçar a barra. Isso não vai acontecer. Toda vez que publico um livro, a sensação que tenho é de que aquele é o definitivo. Escrever um poema para mim é uma grande felicidade. Se não acontecer, não aconteceu

terça-feira, 18 de setembro de 2012

POR QUE TENTAM FERIR LETALMENTE O PT ?



Manter viva a causa do PT: para além do “Mensalão”

Seg, 17 de Setembro de 2012 18:32

por Leonardo Boff

Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”.

Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.

De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares. Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis. Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em que este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático. Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos. Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.

Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto apenas duas decisivas.

A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo, como soia repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhepertence”. Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos sepropõem apear o PT do poder e liquidar com seus líderes.

A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo do PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada. Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não sedeixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada.

Procuram seguir o novo caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência. Essa utopia mínima é factível. O PT se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e doutor honoris causa em política pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Vaca amarela



Por Oscar Fortunato


"Quando os indios cansados dos banquetes de carnes de macacos, cobras, jacarés e portugueses avistaram aqueles "montes de carne", mal conseguiram dormir direito naquela noite. Chegavam de Cabo Verde os primeiros ruminantes que, em pouco tempo, tomariam conta da paisagem. Mas a fila dos fast-food anda, literalmente cronometrada e dependente das descendentes daquelas caboverdianas que fascinaram nossos silvícolas na aurora dessa tosca República.


E as vacas foram se multiplicando, obedecendo com rigor o preceito biblíco, a ponto de existirem mais delas do que nós, nessa terra varonil; embora a maioria delas terminará em uma mesa perto de você.

Caluniadas e difamadas, essas senhoras cornudas cansadas de seus trágicos finais invadiram nosso mundo lúdico com suas caras simpáticas e orelhas imensas. Existem ainda aqueles que se divertem com seus sofrimentos, mas como diria meu amigo maestro "você pode tirar o homem de Mozarlândia, mas não pode tirar Mozarlândia do homem".

Como vegetariano, tenho as vacas da mesma maneira que um elefante, pois não vejo neles o pão que sacia a minha fome. E sempre tive carinho com elas. Sempre as achei simpáticas, sejam pretas, brancas, azuis ou até mesmo a saltadora pasoliniana que dá nome a este festival.

Em todo o meu trabalho, tenho o dito do maestro como guia. Não quero fugir da minha Mozarlândia, pode ser que meus buritis tenham poucos sabiás e que as aves nem gorjeiem como as de lá, mas lhe entendo seus cantos e suas lamúrias e elas fazem sentido ao coração, pois o que vai pela cabeça nem o faz. Nessa lógica, me apropriei das máscaras de chifres ornados que colorem as Cavalhadas, evento de origem pagã que incrivelmente resistiu ao tempo nesse lugar em que as ruínas são mais velozes.

Juntei um pouco de rock e arte de rua para chegar na imagem que, na minha concepção iconográfica, somasse todo o meu discurso. E acredito ter alcançado o meu intento. Repetindo mais uma vez meu amigo regente: "Fugir de Mozarlândia é besteira..."

    Artista goiano, Oscar Fortunato [http://www.oscarfortunato.com/], autor de "campanhas" que colorem as ruas da capital de Goiás como o "Carnes Exóticas" e o "Pessoas Soltas".

sábado, 1 de setembro de 2012