segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Fim de linha para o burburinho causado pelo telefone fixo

 

Por Lucy Kellaway - Valor 18/02

No LinkedIn há uma foto de David Cameron em sua mesa no número 10 da Downing Street fazendo um telefonema para o presidente americano Barack Obama para cumprimenta-lo pela sua reeleição. Ela faz parte de uma série de imagens de personalidades flagradas enquanto trabalham - há, por exemplo, uma fotografia de Sir Richard Branson passeando de sunga em uma praia tropical, e outra do guru da autoajuda Deepak Chopra, meditando diante do que parece ser um grande ovo de pedra.
As duas últimas imagens são um pouco estranhas, mas não tanto quanto a primeira. Há um certo anacronismo na imagem do primeiro-ministro britânico no trabalho, embora à primeira vista eu não tenha percebido exatamente o que estava acontecendo. Não se trata das paredes almofadadas ou da antiga mesa lateral. Nem mesmo suas abotoaduras ou a gravata. Tudo isso é tradicional e sóbrio, mas não está exatamente fora de lugar.
Mas aí eu descobri: trata-se do fio bobinado plastificado que sai de uma de suas orelhas e termina em um objeto que está sobre a mesa. O primeiro-ministro está fazendo o que quase ninguém faz mais: conversando com alguém através de uma linha fixa de telefone. Até mais ou menos uma década, o telefone do escritório era o símbolo do trabalho de colarinho branco. Era a coisa mais importante em qualquer mesa: todas as fotografias de homens poderosos os mostravam falando com urgência com alguém por um telefone fixo. Mas, agora, esses aparelhos desajeitados estão em sua maior parte silenciosos, com seus receptores nos ganchos.
Apenas o primeiro ministro tem uma desculpa para continuar usando esse aparelho ultrapassado. Se ele quiser ter uma conversa ultrassecreta com Obama, um fio de cobre é uma aposta mais segura que as micro-ondas. Qualquer pessoa, dentro de um determinado alcance, e com uns US$ 200 para comprar uma tecnologia de espionagem, poderia ouvi-lo dizer: "Parabéns, senhor presidente".
Para o resto de nós, a telefonia fixa não tem mais propósito. Na semana passada, visitei a principal redação da BBC, onde dezenas de pessoas trabalharam duro. Apenas uma pessoa usava telefone fixo.
Meu próprio telefone grande e cinza da Cisco descansa silencioso sobre minha mesa, e quando ele às vezes decide tocar, geralmente nem atendo.
A ideia de atender quando não sei quem está do outro lado da linha me deixa um pouco temerosa. Uma luz vermelha indica que tenho mensagens na secretária eletrônica, mas não as ouço há pelo menos um ano.
Decidi, porém, descobrir o que perdi nesse tempo todo. Demorou um pouco, pois havia esquecido minha senha, mas depois vi que mais de 100 mensagens esperavam pacientemente para serem ouvidas - tantas que a caixa postal se recusava a registrar novas mensagens.
O primeiro correio de voz dizia o seguinte: "Oi, Lucy, aqui é a Márcia. Estou apenas tentando confirmar se você recebeu um e-mail que mandei...". Apertei o delete. A segunda mensagem: "Olá, Lucy. Liguei rapidinho - sou xx da yy e queria atualizar nossos dados para contato…".
E assim foi. Todos os recados eram inúteis ou repetiam informações que eu já havia recebido por e-mail ou mensagem de texto. Ao não responder o telefone por um ano eu não havia perdido nada, além de ganhar muito em termos de eficiência e controle.
Aquilo havia me permitido falar apenas com as pessoas que eu queria e nos momentos mais adequados para mim. O "Financial Times" emprega hoje um terço das pessoas que direcionam o tráfego telefônico dentro da empresa do que há uma década. Ninguém pede mais para ser transferido para um colega do mesmo prédio, preferindo em vez disso passar um e-mail. E as ligações externas estão diminuindo: o número médio recebido em nosso principal número entre as 18h e as 22h é de apenas 50.
Coisa parecida aconteceu em casa, onde o telefone fixo está ainda mais silencioso. Isso tem sido bom, uma vez que a gente não perde tempo respondendo a todas as chamadas. Nada mais de namorados rejeitados querendo falar com Sylvia e tendo que passar primeiro pela mãe de Sylvia; eles agora acabaram com o intermediário. Os namorados podem preferir o novo sistema, mas ele é pior para a família, que não sabe mais o que eles estão tramando.
O mesmo se aplica ao local de trabalho. A morte da telefonia fixa pode ser melhor para nós individualmente, mas é pior para os laços que nos unem. O mais triste é a mudança que isso causou no clima dos escritórios. Não há mais telefones barulhentos tocando, criando murmúrios e urgência. E o pior é que não ouço mais meus colegas brigando com as esposas, maridos e com os pedreiros que estão reformando suas casas: a maioria da roupa suja é lavada longe das mesas do trabalho.
Antes, eu achava essas ligações turbulentas irritantes. Mas, agora que a porta para a vida privada de meus colegas de trabalho foi fechada, eu gostaria de poder abri-la novamente.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".



 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Montevidéu, soprando e mordendo

 
 
Por acoelhof
 
Se você pensa em um dia ir a Montevidéu, guarde o que segue, pode ser útil. Caso contrário, não leia, não perca seu tempo.
 
Vou soprar e morder, comentar os pontos positivos e negativos da viagem.
 
Soprando: no Guia de Montevidéu (www.viajenaviagem.com.br), mestre Ricardo Freire foi muito feliz ao escolher as quatro fotos para o “quando ir”,“como chegar”, “onde ficar?” e “o que fazer”: a praça Independência, o teatro Solis, a orla de Pocitos e o Mercado del Puerto, na cidade velha. São esses os pontos obrigatórios de visita (para quem for fanático por futebol, acrescentaria o estádio Centenário).
 
Mordendo: Montevidéu tem poucas atrações, não há muito o que fazer. Dois dias inteiros bastam. Ricardo Freire foi muito gentil quando chamou Pocitos, o melhor bairro para se hospedar, de “Ipanema-Leblon”. Pocitos é uma Ipanema-Leblon com cara de Copacabana dos anos 70, mas sem atrativos.
 
Soprando – Se você combinar o passeio com Punta del Leste, vá em janeiro ou fevereiro.
Mordendo – Se você for somente a Montevidéu, evite janeiro, é muito quente, vá em março ou abril.
 
Soprando: Montevidéu é extremamente arborizada, com muitos parques, e tem uma orla gigante com mais de 20 quilômetros – começa no porto, na cidade velha, e vai até próximo do aeroporto, em Carrasco. Em grande parte da orla, pode-se caminhar, andar de bicicleta, praticar esportes. Não há no Brasil uma cidade que proporcione no quesito parques-orla tanta qualidade de vida. Ponto para quem mora lá.
 
Mordendo: parte da cidade parece abandonada, há muitos edifícios mal conservados, até mesmo em áreas nobres da orla. Fico imaginando a Montevidéu dos anos 30 aos 60, quando quase tudo aquilo já existia, a cidade era uma das mais prósperas da América Latina. Cheiro de tinta, coisa nova, só no bairro dos engomados, Carrasco. Edifícios modernos, uns três, na avenida Dr. Luis de Herrera. Montevidéu parou no tempo.
 
Soprando: a cidade transmite segurança, você pode andar tranquilo pelas ruas, nos melhores bairros, mesmo à noite. Os uruguaios são um povo simples, gentil, que trata bem o turista. Eles ainda têm o bem mais valioso de todos, segurança, um bem que não tem preço e que nós, brasileiros, nunca vamos desfrutar dele.
Mordendo: as ruas não são bem iluminadas, mesmo as próximas da orla, em áreas consideradas nobres. Nos cruzamentos, há jovens limpadores de para-brisas como no Brasil e malabaristas no sinal fechado.
 
Soprando: você pode pagar suas contas em quatro moedas – peso uruguaio, peso argentino, dólar ou real.
 
Mordendo: Montevidéu é uma cidade cara. Li nos jornais de lá que o Uruguai perdeu competitividade no turismo. Os argentinos têm optado pelo Caribe e por Miami. Em Punta del Este é pior, os preços são novaiorquinos. Vi muitos brasileiros pagando em real, mas isso não é vantajoso. Com a cotação que os uruguaios usam para o real, a conta aumenta uns 10%.
Soprando: táxi é barato. A maioria das corridas, partindo de Pocitos, não passa de 15 reais.
 
Mordendo: os taxistas uruguaios não são tão desonestos quanto os argentinos, mas é bom ficar atento. Usam uma tabela para converter o valor da corrida em pesos. Cuidado na conversão e com o trajeto. Alguns dão um jeito de esticar a corrida. Uma saída é se familiarizar um pouco com a cidade, ver bem o mapa antes, e indicar uma avenida principal que o taxista deve pegar. Na volta, de Pocitos, na corrida para o aeroporto o taxímetro marcou 440 pesos. Eles cobram 640. Em reais, é só cortar o zero.
 
Soprando: “Pepe” Mujica, presidente do Uruguai, está dando um desconto de quase 20% para pagamentos no cartão de crédito. É a devolução do imposto, o IVA, para os estrangeiros. Ela é automática, você não precisa pedir depois.
 
Mordendo: o desconto acaba agora em março de 2013.
 
Soprando – Hotel: Cala di Volpi. Fica na Rambla Gandhi, em Pocitos. É muito bem localizado. O hotel fornece bicicletas para passeios na orla. A suíte corner, só um pouco mais cara, é bem ampla e tem uma bela vista da orla. Da para ir a pé aos melhores restaurantes de Montevidéu e ao shopping Punta Carretas.
 
Mordendo: bem que a diária poderia ser mais barata, saiu por 170 dólares. A bicicleta é grátis apenas na primeira hora. O hotel só informa isso depois que você pega a bicicleta. Punta Carretas é o melhor shopping de Montevidéu, mas deixa a desejar, comparado aos brasileiros. E não é bom para compras, é caro.
 
Soprando: recomendamos os quatro restaurantes que seguem, pela ordem de preferência. Com exceção do Garcia, que fica longe, em Carrasco, os outros três ficam próximo da Rambla Gandhi. Os melhores restaurantes e bares de Montevidéu ficam em esquinas. Curioso.
Francis (Luis de la Torre esquina com Montero). Ambiente aprumado, atendimento de primeira, um dos mais caros, por óbvio.
Garcia (Av. Arocena, em Carrasco, próximo ao hotel Casino Carrasco). Aqui comemos a melhor carne da viagem.
La Perdiz (Guipúzcoa esquina com Baliñas, do outro lado da praça do Sheraton).
Tabaré (José Zorrilla de San Martin esquina com Tabaré).
 
Mordendo: os poucos bons restaurantes de Montevidéu são caros. Uma conta-casal, sem vinho, na base de água e uma cerveja, sem sobremesa, beira uns 150 reais. Há o cubierto, uma entrada que eles sempre cobram. Então, pelo menos prove um pouquinho. Para não ficar tão caro, arrisque o “para compartir” em alguns pratos. A gorjeta não está incluída. Não se esqueça dos 10% dos garçons.
 
Soprando – Bares: recomendo apenas o Bar 62 (Miguel Barreiro esquina com Alejandro Chucarro) e o Bar Tranquilo (21 de Setiembre esquina com Roque Graceras). Sempre em esquinas, lembram? Ambos são frequentados por nativos. Na orla, na Rambla Gandhi, o Che Montevideo. Para um programa bem turístico, sem nativos, o Fun Fun.
 
Mordendo: o atendimento do Bar Tranquilo foi muito lento. O garçom demorou a trazer o cardápio, demorou a trazer o prato, demorou a trazer a conta. Só não demorou na hora de receber a propina, a gorjeta. O Che Montevideo está precisando de uma boa reforma. O ambiente está bastante caído. O Fun Fun é um pega-turista. Toda cidade tem pega-turistas. São aqueles lugares que os nativos não frequentam porque sabem que não valem a pena. Por falta de opção, você vai acabar indo ao Fun Fun numa sexta ou num sábado. Muito provavelmente, suas expectativas não serão atendidas.
 
Há três tipos de cidades: as que você nunca deve ir; as que você deve ir apenas uma vez na vida; e as que você deve ir, e sempre que puder, voltar. Exemplo de três, pela ordem: Assunção, Montevidéu e Buenos Aires.
 
Só volto a Montevidéu, se um dia o Fortaleza decidir a Taça Libertadores com o Peñarol. Tá bom, se for o Ceará, também vou lá apoiar os conterrâneos.
 
Abraços
acoelhof

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Carta Maior - Arte & Cultura - Com Gael Garcia Bernal, filme conta como um publicitário superou o General Pinochet

Carta Maior - Arte & Cultura - Com Gael Garcia Bernal, filme conta como um publicitário superou o General Pinochet

'Como vencer a pobreza e a desigualdade'



Tema: 'Como vencer a pobreza e a desigualdade'
Por Clarice Zeitel Vianna Silva -
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - RJ

'PÁTRIA MADRASTA VIL'

Onde já se viu tanto excesso de falta?
Abundância de inexistência...
Exagero de escassez...
Contraditórios?
Então aí está!
O novo nome do nosso país!
Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.

Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.

Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe.
Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil, está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira.'
Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.

E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir.
Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa.

A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade.
Uma segue a outra...
Sem nenhuma contradição!

É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição.
Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar.
E a educação libertadora entra aí.
O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito.
Não aprendeu o que é ser cidadão.

Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura.
As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)...
Mas estão elas preparadas para isso?

Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra?
E de que serve uma mãe que não afaga?

E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo.
Cada um por todos.

Algumas perguntas, quando autoindagadas, se tornam elucidativas.
Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil?
Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil?
Ser tratado como cidadão ou excluído?
Como gente... Ou como bicho?
_______________________________________________________

Premiada pela UNESCO,
Clarice Zeitel Vianna Silva, 26, estudante que termina Faculdade de Direito da UFRJ, em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários. Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a desigualdade.' A redação de Clarice, intitulada 'Pátria Madrasta Vil', foi incluída num livro, com outros cem textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca Virtual da UNESCO.