terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Quando a virgindade não passa de um rótulo
Por David Kamp
Bloomberg BusinessWeek
Americanos são recém-iniciados no romance do azeite de oliva, que adotaram apenas nas últimas décadas como produto alimentício desejável, algo com que podem temperar saladas requintadas ou untar um robalo grelhado. Nos tempos obscuros da culinária de 1939, a revista "Life", em artigo sobre Joe DiMaggio, difamou o produto como intoleravelmente étnico, e elogiou o "Yankee Clipper" por não ser um ítalo-americano desagradável como o azeite: "Ele nunca cheira a alho" e "em vez de usar azeite de oliva [...] mantém o cabelo liso com água".
Embora ultrapassada e preconceituosa, a declaração pelo menos mostra as múltiplas utilidades do azeite de oliva - produto que, como Tom Mueller assinala em "Extra Virginity", é apreciado há milênios por culturas europeias. O azeite de oliva não é apenas um alimento e tônico capilar. Na Grécia antiga, também era usado como combustível, loção para a pele, contraceptivo, detergente, preservativo, pesticida, perfume, e para curar doenças do coração, dores de estômago, perda de cabelo, flatulência e transpiração excessiva. O valor do azeite na antiguidade era tanto, que também funcionava como uma espécie de moeda, entregue a atletas vitoriosos em vez de dinheiro.
Ainda assim, o interesse principal de Mueller é pelo bom sabor do azeite de oliva e pelo realce que dá a outros alimentos. "Extra Virginity" é um trabalho de não ficção culinária, gênero em pleno crescimento, cujo porta-estandarte é Mark Kurlansky, autor de "Bacalhau - A História do Peixe que Mudou o Mundo" (1997) e "A Grande Ostra - Cultura, História e Culinária de Nova York" (2006), entre outros livros.
O azeite de oliva é assunto até mais merecedor de um livro do que qualquer um que Kurlansky tenha abordado: imediatamente reconhecível (todos já mergulhamos um pãozinho naquele pequeno pote raso com azeite nos restaurantes italianos), mas pouco compreendido e repleto de intrigas. Como se pode saber, ou não, dependendo do volume de jornalismo alimentício-alarmista que se tenha consumido, praticamente todo azeite de oliva vendido em supermercados é medíocre e grande parte do que é comercializado e celebrado como sendo da melhor qualidade, extra virgem, é produto adulterado.
A fraude nos azeites de oliva é tão difundida que boa parte de "Extra Virginity", mais do que uma apreciação do notável líquido, é uma acusação contra as grandes empresas alimentícias, similar a "Fast Food Land", de Eric Schlosser, ou "Tomatoland", de Barry Estabrook - só que, no caso, os grandes vilões são na maioria italianos. Mueller é um escritor americano que mora na Itália, coração da indústria de azeite de oliva. Logo no início do livro, ele fica cara a cara com dois vilões: Domenico Ribatti, que foi o maior negociante mundial de azeite de oliva a granel, que vendia para marcas de grande presença nos supermercados, como Bertollie e Filippo Berio, mas acabou preso por, entre outros problemas, passar óleo de avelã turco como se fosse azeite oliva; e Leonardo Marseglia, importador proeminente acusado de contrabando, de vender azeites baratos não europeus como se fossem feitos na Itália e de falsificação de documentos para evitar pagar tarifas de importação.
Ribatti e Marseglia cobrem Mueller de negativas, evasivas escorregadias e tentativas de sedução que evocam outro italiano bem escorregadio, cujo nome nunca aparece em "Extra Virginity": Silvio Berlusconi. A conclusão quanto ao tácito aval do setor à fraude - a aparente cumplicidade de autoridades alfandegárias, os órgãos de defesa do consumidor que fazem vista grossa enquanto óleos de sementes e outros produtos de baixa qualidade são refinados e vendidos como azeite de oliva de boa qualidade - é que, simplesmente, essa é a maneira italiana: uma divertida travessura do tipo "todo mundo faz". Esse é precisamente o tipo de mentalidade que levou à queda de Berlusconi e, mais alarmante, à crise da dívida italiana.
O livro de Mueller foi impresso antes da queda de Berlusconi, mas, ainda assim, fica o desejo de que o autor tivesse conectado os pontos entre a fraude com o azeite e a abrangente cultura política que propiciou sua disseminação. Há insinuações quanto a isso - como a menção a uma investigação de 2007, da União Europeia, reveladora de que 95% de todos os subsídios agrícolas europeus em que se encontraram irregularidades referiram-se a casos na Itália -, mas Mueller não aprofunda sua própria investigação.
Teria sido interessante saber mais sobre os motivos pelos quais há uma demanda sem precedentes pelo azeite de oliva italiano. Mueller mal entra no redemoinho de fatores sociais, culinários e de saúde que levaram os Estados Unidos a se tornarem o terceiro país que mais consome azeite de oliva no mundo: a emergência do "olio di oliva" como um produto alimentício de status, por exemplo, ou o evangelismo televisivo de Rachael Ray, que popularizou "Evoo" como sigla em inglês para azeite de oliva extravirgem.
"Extra Virginity" não é tão profundo nem divertido como poderia ser. Não é por falta de persistência por parte do autor - há incursões em subculturas "óleo-cêntricas" em Israel, Creta, Chipre, Espanha, Austrália e Califórnia, entre outros lugares - mas há uma natureza superficial em seus capítulos, uma sensação de que são um conjunto de artigos vagamente conectados em vez de uma narrativa sustentada como no estilo de Kurlansky (de fato, "Extra Virginity" nasceu de um artigo, "Letter from Italy", publicado na revista "New Yorker").
A verdade é que o tema escolhido por Mueller é tão rico (apesar de baixo em gorduras saturadas) que poderia acomodar uma vastidão de abordagens se o livro fosse mais longo, mais épico. Com suas relativamente magras pouco mais de 200 páginas, "Extra Virginity" parece meio desnutrido.
"Extra Virginity - The Sublime and Scandalous World of Olive Oil"
Tom Mueller. W. W. Norton. 238 páginas, US$ 26,00
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL COMENTADO - POLÍTICAS ECONÔMICAS, OPERAÇÕES FINANCEIRAS E ADMINISTRAÇÃO DE RISCO
Obra de Antônio Alberto Grossi FernandesAnalista - Desig/Gemon/Diseg/Suinf
SOBRE A OBRA
A moeda e o crédito existem há muitos anos e a organização do sistema financeiro reflete a evolução e o amadurecimento desses instrumentos. Embora seja um tema apaixonante, deve-se considerar que sua interpretação não é trivial, representando um grande desafio condensá-lo em um único texto. Este livro, em cinco grandes capítulos, considera o sistema financeiro no seu contexto global, auxiliando o leitor a compreender a extensão das suas atividades, sua importância para o país e por que deve ser monitorado com tanta atenção.
No Capítulo 1 Organização do Sistema Financeiro Nacional foi introduzido o tema financeiro e analisadas as entidades que operam no setor, incluindo a atuação supervisora do Banco Central. No Capítulo 2 Conjuntura Econômica e Social Brasileira foram considerados os aspectos macroeconômicos relevantes para a gestão pública e privada no Brasil. No Capítulo 3 Política Monetária e Cambial foi abordada a atuação do Banco Central como gestor dessas políticas, incluindo a análise dos sistemas de pagamento e de controle da inflação. No Capítulo 4 Operações Financeiras tratou-se do dia-a-dia das instituições financeiras, suas operações no mercado financeiro e de capitais. No Capítulo 5 Gerenciamento de Riscos foram investigados como são administrados os diversos riscos inerentes ao setor financeiro, inclusive aspectos legais relacionados a garantias e recuperação do crédito inadimplido.
Recomendado pelo site ig.com (http://economia.ig.com.br/empresas/seunegocio/o+que+voce+precisa+ler+antes+de+abrir+seu+negocio/n1237634684507.html) como leitura prioritária para empreendedores. Foram mantidos os cinco capítulos da 1ª. edição, tratando da organização do SFN, conjuntura econômica e social do país, política monetária e cambial, operações financeiras e gerenciamento de riscos, totalizando 675 páginas na versão digital atualizada até setembro/2010.
SOBRE A OBRA
A moeda e o crédito existem há muitos anos e a organização do sistema financeiro reflete a evolução e o amadurecimento desses instrumentos. Embora seja um tema apaixonante, deve-se considerar que sua interpretação não é trivial, representando um grande desafio condensá-lo em um único texto. Este livro, em cinco grandes capítulos, considera o sistema financeiro no seu contexto global, auxiliando o leitor a compreender a extensão das suas atividades, sua importância para o país e por que deve ser monitorado com tanta atenção.
No Capítulo 1 Organização do Sistema Financeiro Nacional foi introduzido o tema financeiro e analisadas as entidades que operam no setor, incluindo a atuação supervisora do Banco Central. No Capítulo 2 Conjuntura Econômica e Social Brasileira foram considerados os aspectos macroeconômicos relevantes para a gestão pública e privada no Brasil. No Capítulo 3 Política Monetária e Cambial foi abordada a atuação do Banco Central como gestor dessas políticas, incluindo a análise dos sistemas de pagamento e de controle da inflação. No Capítulo 4 Operações Financeiras tratou-se do dia-a-dia das instituições financeiras, suas operações no mercado financeiro e de capitais. No Capítulo 5 Gerenciamento de Riscos foram investigados como são administrados os diversos riscos inerentes ao setor financeiro, inclusive aspectos legais relacionados a garantias e recuperação do crédito inadimplido.
Recomendado pelo site ig.com (http://economia.ig.com.br/empresas/seunegocio/o+que+voce+precisa+ler+antes+de+abrir+seu+negocio/n1237634684507.html) como leitura prioritária para empreendedores. Foram mantidos os cinco capítulos da 1ª. edição, tratando da organização do SFN, conjuntura econômica e social do país, política monetária e cambial, operações financeiras e gerenciamento de riscos, totalizando 675 páginas na versão digital atualizada até setembro/2010.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
País perde 400 mil alunos no ciclo básico
Por Luciano Máximo
De Brasília
O Censo da Educação Básica de 2011, que começa a ter as primeiras informações divulgadas hoje pelo Ministério da Educação (MEC), mostra que o total geral de matrículas nas escolas públicas e privadas do país caiu em relação a 2010, queda concentrada nos anos iniciais do ensino fundamental. Nessa etapa (1ª a 4ª séries), o país perdeu quase 400 mil alunos na passagem de 2010 para 2011, fechando o ano passado com 16,360 milhões de matrículas.
No total, o Brasil fechou 2011 com 50,972 milhões de matrículas em todos os ciclos da creche ao ensino médio, passando por educação de jovens e adultos e portadores de deficiência e cursos técnicos. O número representa queda de 1,1% em relação ao ano anterior, quando as matrículas somaram 51,479 milhões.
No total do ensino fundamental, a queda de alunos matriculados chegou a 2,1%, somando 600 mil, dos quais 400 mil na primeira etapa. "É um dado natural, a população brasileira de seis a dez anos vem caindo há cinco anos. O importante é notar que também está havendo uma correção do fluxo escolar nesse ciclo, com mais crianças na escola na idade certa", disse o ministro da Educação, Fernando Haddad. A diretora-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, lembra que entre 2010 e 2022 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta queda de 20% da população de seis a 14 anos.
Em faixas etárias com menor impacto demográfico, caso dos jovens de 15 a 17 anos, as matrículas ficaram estáveis, passando de 8,357 milhões para 8,400 milhões de 2010 para 2011. "A evasão nesse ciclo é muito grande, o que explica essa estagnação. As matrículas no terceiro ano do médio são bem menores que as do primeiro. O jovem não se sente estimulado na escola e escolhe trabalhar para ganhar seu dinheiro, ainda mais em momentos de mercado de trabalho aquecido e economia aquecida", diz Priscila.
Para Haddad, a analogia da especialista em educação está correta. "Na educação profissional, as matrículas cresceram 10% em 2011. Com o Pronatec, vão crescer muito mais até 2014", prevê, se referindo ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Em 2011, as matrículas na educação profissional atingiram 1,250 milhão, diante de 1,140 milhão em 2010. Só nas escolas técnicas federais, o crescimento foi de 15%. "É um dado que mostra a preferência do jovem pela educação profissional e justifica os investimentos. Mas as matrículas deveriam estar aumentando porque os recursos para o ensino médio aumentaram desde a criação do Fundeb em 2007 e a partir de 2016 o ensino médio passa a ser etapa de ensino obrigatória", avalia Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
As matrículas em creche registraram o melhor desempenho, com crescimento de 11,3%, passando de 2,064 milhões em 2010 para 2,298 milhões no ano passado. "É um crescimento positivo, mas a demanda não atendida ainda é enorme. O crescimento das matrículas não pode ficar só nas promessas, principalmente em época de campanhas eleitorais municipais", complementa Priscila Cruz.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
A vida privada do pensador
Por Paulo Totti - Valor 13/01
De Porto Alegre
Nesta casa, em 1947, Erico Verissimo começou a escrever "O Tempo e o Vento". Os filhos, Clarissa, 12 anos, e Luis Fernando, 11, acompanhavam admirados o processo de criação. Erico datilografava em espaço duplo e reservava as entrelinhas para as correções à mão. Depois passava tudo a limpo. E desenhava os personagens antes de descrevê-los em detalhes, inclusive o modo de andar, os sorrisos e os cacoetes. Assim, literalmente da sua pena, nasceram Ana Terra e Capitão Rodrigo ("O Continente"), Luzia Silva e Carl Winter ("O Retrato"), Sílvia e Toríbio ("O Arquipélago"), um romance em trilogia que levou 15 anos para ser completado e que conta melhor 150 anos de história do Rio Grande do Sul do que todos seus historiadores.
Mais tarde, Erico levou o escritório para o andar de baixo - o escritor, fluente em inglês, o chamaria de "basement", pois é isso mesmo que parece, um porão perfeitamente habitável que aproveitou o declive do terreno. Vista de fora, numa rua ainda tranquila do bairro de Petrópolis, em Porto Alegre, a casa simples, com modestos jardim e quintal, é a mesma que o autor de "Olhai os Lírios do Campo" comprou em 1942. A pequena sala de visitas foi ampliada com a anexação de uma biblioteca, e o antigo local de trabalho de Erico é a sala de jantar.
No porão, o último escritório de Erico está intacto. Curiosa e algo vocacionada para a arqueologia, Lúcia, a carioca de olhos verdes que Luis Fernando conheceu há 49 anos, mandou escavar além da parede dos fundos e percebeu que os alicerces sustentariam mais um cômodo. Nele instalou uma despensa e descobriu que a temperatura ali não ultrapassava os 16 graus, ideal para a preservação de vinhos de boa cepa. É da adega de Lúcia que vem o carmenère chileno Tarapacá Gran Reserva 2009, para o almoço com que o casal recebeu a reportagem para este "À Mesa com o Valor".
E foram instalados mais dois quartos contíguos ao escritório de Erico. Num deles, onde Luis Fernando trabalha, nasceu a Velhinha de Taubaté, a única brasileira que acreditava no governo da ditadura, em certas privatizações de FHC e que veio a expirar a 25 de agosto de 2005, dia em que seu derradeiro ídolo, Antonio Palocci Filho, foi defenestrado pela primeira vez do Ministério. Seu criador escreveu no obituário: "Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio."
No outro quarto, Luis Fernando ensaia com seu Jazz 6, que o solista de sax alto descreve como "o menor sexteto musical do mundo", pois só tem cinco membros. Mas isso não é o mais estranho. Na juventude, fez parte do Renato e Seu Sexteto, que tocava em bailes de debutantes e se intitulava o maior sexteto do mundo, pois tinha nove músicos.
O saxofonista queria ser trompetista como seu ídolo Louis Armstrong. Mas, aos 16 anos, na escola de música onde estudou em Washington não havia trompete para emprestar aos alunos. "Só saxofone. Então foi saxofone mesmo, como o de Charlie Parker."
A casa tem quatro quartos no andar de cima e a Luis Fernando parece que falta algo. "De repente, isto aqui ficou grande."
O pai morreu em 1975; a mãe, Mafalda, há cinco anos. Luis Fernando e Lúcia viram os três filhos, Fernanda ("ela tem 47 anos agora; eu acho"), Mariana, 44, e Pedro, 40, crescerem nesse espaço. Faltavam netos. A filha de Fernanda, Lucinda, chegou há apenas três anos e meio. Depois de ter andado pelo mundo, com a mãe e o pai, Enzo, um inglês, a neta mora agora num apartamento das proximidades. Loirinha de olhos azuis, que sorri muito, mas não fala com estranhos, a única neta visita os avós todos os dias. No fim da tarde, porém, vai embora e leva o bulício para a própria casa.
"Só eu e a Lúcia. Muitas camas vazias..."
Não é propriamente um lamento, mas constatação. Luis Fernando, sabe-se, não é de lamentar-se. Ele cobriu todas as Copas do Mundo desde 1986, sempre enviado pelos meios de comunicação em que trabalhou ou trabalha - "a revista 'Playboy' foi a primeira, e eu tinha que explicar a todos os porteiros o que a 'Playboy' estava fazendo lá". Ficou feliz com as vitórias e frustrou-se com as derrotas. Mas não chorou lágrimas de esguicho como um personagem de Nelson Rodrigues ao ver no Estade de France a seleção brasileira perder por 3x0 para o time de Zidane em 1998. Também não o viram gritar "é téétrrra! é téétrrra! Acabooou!", quando a mesma seleção ganhou nos pênaltis da Itália em 1994 nos Estados Unidos. Sua voz é mansa; o tom, baixo.
Mais do que econômico, Luis Fernando é absolutamente avaro no falar. "A timidez, a dificuldade de me comunicar pela fala, me prejudica. Gostaria que não fosse assim. Mas, com esta idade, não dá mais para mudar, não é mesmo?"
Com o lançamento de "Em Algum Lugar do Paraíso" - seu 73º livro, o 29º pela editora Objetiva - ele tem, porém, aparecido em declarações aos jornais e até voltou à "Playboy", desta vez como entrevistado.
O convívio com jornalistas começou em 1967, quando, graças às relações da família com Paulo Amorim, diretor do jornal, lhe ofereceram a vaga de copydesk na "Zero Hora" de Porto Alegre. Reescrevia matérias, fazia um guia de bares e restaurantes, redigia até horóscopo - "Era sempre o mesmo texto, só trocava os signos, até descobrir que as pessoas leem o horóscopo inteiro, o do próprio signo e o dos outros." Foi até editor de "frescuras", como se dizia na época dos assuntos tratados na seção cultural. Por isso conhece as redações por dentro e, afável, não se recusa a dar entrevistas, mas prefere fazê-lo por e-mail (antes era por fax).
"Escrevendo me expresso melhor. Numa entrevista como esta, espontânea, a gente acaba dizendo bobagem. Na entrevista cara a cara para o 'Estadão', por exemplo, disse que determinada revista se transformou num boletim da direita brasileira..."
-... Ou do Tea Party americano.
- Exato. Mas me arrependi. Por que procurar mais uma briga? Uma briga boba, né? Por e-mail você recebe as perguntas, pensa no que vai responder, reescreve, corrige. Por escrito, as respostas são mais responsáveis.
O que mais o assusta é entrevista na TV. Ainda estávamos na biblioteca, antes do almoço, quando Lúcia avisou que telefonaram da GloboNews para suspender a entrevista do dia seguinte, no Rio, porque o entrevistador, Edney Silvestre, adoecera. "O que ele tem?" "Disseram que não é nada grave, mas a entrevista foi adiada." Luis Fernando parece aliviado. E só então se manifesta o cronista, o excelente intérprete das emoções próprias e alheias: "Eu ia dizer que bom, mas... coitado".
O livro que acaba de chegar às livrarias, e já aparece na lista dos mais vendidos, é uma coletânea de crônicas. Nelas, Luis Fernando exibe, como diz a contracapa, a costumeira "tremenda elegância narrativa" e o "humor refinado". Um dos momentos "hilários" - como diria o Boca, genro bicho-grilo da série Família Brasil, criada quando o cronista estava certamente "com preguiça e preferia desenhar a escrever" - é de "O Verdadeiro George Clooney". O autor confessa a inveja que tem do ator bonito, charmoso, rico, adorado pelas mulheres. Diante de tanto sucesso, escreve: "Só nos resta a calúnia". São quase dez os defeitos que ele inventa e proclama, do mau hálito ao suspeitíssimo fato de Clooney, aos 50 anos, continuar solteiro. Na última linha, injúria e difamação chegam ao paroxismo, e a oportunidade de botar a política no meio não é desperdiçada: "Além de tudo, tem seborreia e é republicano. Passe adiante".
- Você vendeu 5,6 milhões de livros até agora. E a editora pretende vender mais 50 mil só na primeira edição de "Em Algum Lugar do Paraíso". Você é uma unanimidade nacional, como Chico Buarque?
- Recebo cartas de alguns leitores, principalmente do "Estadão", que desmentem essa unanimidade. Eles descem o pau. A discordância é sempre política.
- Leitores do "Estadão" são mais agressivos do que os do "Globo"?
- São. O jornal até não publica os e-mails mais violentos, os que partem para a ofensa pessoal. Mas a redação manda para mim.
Verissimo já foi mais presente na imprensa. Passou pela "Folha da Manhã", de Porto Alegre, pela revista "Veja", pelo "Jornal do Brasil", e, hoje, por vontade própria e ao contrário do que desejariam os diretores de redação, só escreve para publicar às quintas-feiras e domingos na "Zero Hora", no "Estado de S. Paulo" e "O Globo", cujas agências distribuem a coluna para jornais de todo o país. O texto das quintas-feiras é mais curto, ligado à atualidade política, brasileira ou mundial, e é o mesmo para todos os jornais. Na quinta-feira em que esta entrevista foi feita, por exemplo, tratou, em 32 centímetros, da crise do euro, e concluiu que "a Alemanha, finalmente, consegue transformar os europeus em súditos do seu reich econômico. Sem disparar um tiro".
Aos domingos, o mesmo texto vai para o "Globo" e "Zero Hora". Ao "Estadão" é reservada uma crônica de costumes, como as reunidas em seu mais novo livro. São histórias da vida privada - "ficção, relação de casais e tal" -, temas já presentes em muitos de seus livros e que foram sucesso em séries da TV.
O importante é a criatividade com que os enredos se renovam. Num cenário de casamento ("Os seios da Maria Alice"), por exemplo, a mãe da noiva dançou com o noivo, o pai do noivo dançou com a noiva, a mãe do noivo dançou com o pai da noiva, a nova mulher do pai da noiva dançou com o namorado da mãe do noivo, a terceira mulher do pai do noivo dançou com o Rosca e o padrasto da noiva, felizmente, estava com um problema na perna - o fim é sempre surpreendente. Verissimo reflete sobre o tempo, o desgaste do amor e da amizade, o que não foi e poderia ter sido se Eva, "ainda úmida da criação", não tivesse perguntado a Adão "que dia é hoje?", até a conclusão do filósofo para seu cachorro: "A recusa da morte é a mãe da filosofia".
- Você se considera um humorista? Como você se descreveria?
- [Risos] Sou colorado [torcedor do Internacional]. E isso tem me dado grandes alegrias e pequenos desgostos. Minha vocação é mais pro deprimido do que pro humorístico... [Mais sério] Na verdade, o humor é um estilo. E com esse estilo você pode tratar de qualquer assunto, sério ou não sério. Meu humor não é espontâneo, é uma coisa mais pensada, diria até que é uma técnica. Não sou um cara que tem a piada pronta na ponta da língua. No tempo em que o Analista de Bagé fazia sucesso [lançado em 1981, o livro continua vendendo bem], era comum um editor de jornal ligar e perguntar "o que o Analista de Bagé diria da última do Delfim Netto?" Eu sempre respondia: "Se me der um tempinho pra pensar numa piada, o Analista de Bagé vai responder por fax". Sou introvertido, mas nunca fui enclausurado. E até tinha um espírito aventureiro. Gosto muito de viajar. [Publicou sete livros com roteiros de viagens pelos lugares mais interessantes do mundo. Destaque: restaurantes.]
- E se eu dissesse que você não é um humorista, mas um pensador bem-humorado?
- Olha, aceito a descrição e agradeço. O grande exemplo de pensador que nós temos aqui é o Millôr Fernandes. Muito mais do que humorista, é um intelectual completo.
O almoço está servido. Em família, caseiro. E gaúcho. Picanha inteira, caprichosamente crostada ao redor e tenra, suculenta, no interior, para ser fatiada. Arroz aparentado com o carreteiro, só mais sequinho. E batatas coradas, alface, agrião, tomate. Azeite extravirgem, vinagrete. O repórter repete e repete.
"Dona Eva, venha cá. O Valor Econômico quer lhe entrevistar. Aí está: Eva dos Santos!" Luis Fernando convoca a cozinheira para os aplausos.
- Parabéns. A senhora pode me dar a receita dessa carne?
- É picanha, eu só boto o sal. Às vezes é sal grosso. Hoje usei sal fino. É só passar o sal e botar no forno bem quente. Se for no forno frio, cozinha demais. Boto a picanha inteira, como veio do mercado. Pra ficar no ponto leva uns 20, 25 minutos. A receita é essa.
- E os patrões são bons?
- Estou aqui faz 30 pra 31 anos. O que o senhor acha?
A sobremesa tem pêssegos, laranja-lima, laranja-do-céu. [Lúcia: "Meu sogro não gostava. Dizia: "Se o céu é tão sem graça, não quero saber dele"]. Salada de frutas. E sorvete de creme. "Häagen-Dazs? Não, Sorvelândia. Me parece que é de Caxias do Sul", diz Lúcia. O sorvete da Sorvelândia é realmente saboroso, mas seu marido prefere os pêssegos.
Desde 1991 - "eu acho" - Luis Fernando tem restrição alimentar: doces, frituras, carboidratos, sal em demasia. Não chegou a sofrer um enfarte, mas andou perto. Sentiu-se mal em Porto Alegre e foi tentar vencer a obstrução arterial em São Paulo. Lá o médico considerou arriscado operá-lo e o encaminhou para Boston, onde lhe implantaram três safenas e uma mamária. "É essa mamária que me mantém de pé. Enfim, já são 75 anos."
- Mas você é um dos brasileiros que vai chegar aos 150.
- Tu acha?
- Acho, tchê.
- 125 já me serve.
O pai, que falava com um acento gaúcho ainda mais genuíno, levou, em 1943, a família para a Califórnia, onde foi lecionar por dois anos em Berkeley e em Los Angeles. E a alfabetização de Clarissa e Luis Fernando ocorreu simultaneamente em português e inglês. Em 1953, Erico está novamente nos Estados Unidos, desta vez em Washington, para chefiar o Departamento de Assuntos Culturais da então União Panamericana (embrião da atual Organização dos Estados Americanos, OEA) e ali Luis Fernando e Clarissa fizeram a "high school". Clarissa gostou dos Estados Unidos e de um americano. Casou-se e ainda mora por lá.
- Você está rico, Luis Fernando?
O escritor pensa um pouco e responde suavemente: "Não". Lúcia complementa: "O Jô Soares já perguntou isso e se era eu que tomava conta do dinheiro. Nosso filho, Pedro, que estava presente, respondeu: 'Mas que dinheiro?'"
Os Verissimo, em verdade, têm um apartamento em Ipanema, no Rio, e um "estudiozinho" em Paris, de 50 metros quadrados, que Lúcia esclarece: "Fica pertinho do Trocadero e foi comprado muito barato em 98, o mercado estava em baixa. Depois, o mercado explodiu e sem querer fizemos um bom negócio".
Quando voltou dos Estados Unidos, em 1956, Luis Fernando teve dificuldades para revalidar o diploma e foi estudar no Instituto Panamericano (IPA), colégio metodista cujas aulas de latim abominava. "O Jockey Club era perto. Eu matava as aulas de latim e ia ver os cavalos treinarem. Não que gostasse de cavalos, não gostava é de latim. Aliás, na única vez em que este gaúcho tentou montar um cavalo, percebi que ele também não gostava de mim."
Mas já não queria mais estudar. O pai não se opôs, "estava resignado a ter um filho vagabundo". O desejo do jovem era fazer cinema ou ser diretor de arte, desenhista de uma grande agência de publicidade. Na Inglaterra, por exemplo. [Seu traço rápido, minimalista, estrearia na imprensa 12 anos mais tarde, com "As Cobras". Paralelamente ao trabalho na "Zero Hora", foi redator da MPM Propaganda em Porto Alegre, durante quase 15 anos. Antes, ficou por alguns dias na Mercur Publicidade, cujo dono o demitiu "porque não dava para a coisa".]
Aos 26 anos, sem profissão definida, mudou-se para o Rio, onde pretendia juntar dinheiro e partir para Londres.
No Rio, arrumou emprego de tradutor na empresa de um americano que editava um boletim para a Câmara de Comércio Brasil-EUA. "O cara era um picareta, não me pagava e fazia negócios muito suspeitos. Pedi demissão com medo de acabar preso." Não conseguiu o dinheiro para viver em Londres, mas conheceu, namorou e casou-se com a secretária, Lúcia Helena Massa. "Então, sem nenhuma perspectiva no Rio, casado e já com uma filha, fiz a coisa mais sensata. Voltei pra casa do pai. Foi lá por 1966, acho."
Quase à sobremesa, Fernanda, a filha mais velha, entra na sala. "Venha cá, quero te exibir", diz Verissimo. "Ela acaba de defender tese na Sorbonne. Em francês. Foi aprovada com louvor, e a junta era rigorosa." Fernanda é formada em jornalismo, mas nunca exerceu a profissão. O pai resume seu currículo: "Ela partiu para várias aventuras internacionais. Dirigiu o Instituto Brasileiro em Moçambique e morou dez anos em Paris. Aí preparou uma tese interessante sobre os livros produzidos pelos índios guaranis nas missões jesuíticas". Os índios tinham tipografia própria numa época em que a única tipografia existente na América do Sul estava em Lima. Fernanda viu o primeiro desses livros em São Paulo, na biblioteca de José Mindlin - a quem reverentemente chama de "o doutor José" -, que a estimulou a sair pelo mundo em busca de outros. Ela os encontrou na Argentina, no Rio Grande do Sul, na Espanha, na França, nos Estados Unidos. "Um deles tem um nome lindo, 'Da Diferença entre o Temporal e o Eterno'."
Lúcia e Luis Fernando foram a Paris para acompanhar a filha na defesa de sua tese - "e comer bem, é claro" - e o restante da família veio para Porto Alegre para ficar com Lucinda. Mariana, formada em arquitetura e roteirista de cinema e TV, veio de São Paulo; Pedro, cantor e compositor de rock depois de ter sido um bem-sucedido publicitário - "tem voz boa, o safado" -, veio do Rio.
- Seu texto leve dá impressão de que você senta ao computador, começa a digitar e em 15 minutos está tudo pronto. Escrever, criar, é realmente tão fácil?
- Não sei se estou mais exigente ou mais preguiçoso. Mas não escrevo com facilidade, não. Cada vez fica mais difícil começar, amarrar o final. Isso de acharem que escrevo com facilidade já me criou problemas. Houve quem pensasse que faço isso com o pé nas costas, por isso me pagavam mal, ou nem pagavam. Talvez meu texto devesse ser mais rebuscado...
- Depois de ler as 41 crônicas deste livro, o leitor fica com a sensação de que você é firme nas suas convicções, mas, de repente, se permite considerar que tudo poderia ser exatamente o contrário. Você, no fundo, tem admiração por este mundo tão complexo?
- Não convivo bem com fundamentalismos. Não se pode ter certeza de nada, né? Sempre tem o outro lado da questão.
- E esse ponto de exclamação que acaba seu livro?
- Que ponto de exclamação?
- Está aqui, olhe. Ocupa uma página inteira, como se fosse uma nova e última história. Não é um ponto de interrogação.
- Isso não é meu. É do planejador gráfico da editora. Literalmente uma exclamação. Eu nem tinha notado. Ficou bom!...
De Porto Alegre
Nesta casa, em 1947, Erico Verissimo começou a escrever "O Tempo e o Vento". Os filhos, Clarissa, 12 anos, e Luis Fernando, 11, acompanhavam admirados o processo de criação. Erico datilografava em espaço duplo e reservava as entrelinhas para as correções à mão. Depois passava tudo a limpo. E desenhava os personagens antes de descrevê-los em detalhes, inclusive o modo de andar, os sorrisos e os cacoetes. Assim, literalmente da sua pena, nasceram Ana Terra e Capitão Rodrigo ("O Continente"), Luzia Silva e Carl Winter ("O Retrato"), Sílvia e Toríbio ("O Arquipélago"), um romance em trilogia que levou 15 anos para ser completado e que conta melhor 150 anos de história do Rio Grande do Sul do que todos seus historiadores.
Mais tarde, Erico levou o escritório para o andar de baixo - o escritor, fluente em inglês, o chamaria de "basement", pois é isso mesmo que parece, um porão perfeitamente habitável que aproveitou o declive do terreno. Vista de fora, numa rua ainda tranquila do bairro de Petrópolis, em Porto Alegre, a casa simples, com modestos jardim e quintal, é a mesma que o autor de "Olhai os Lírios do Campo" comprou em 1942. A pequena sala de visitas foi ampliada com a anexação de uma biblioteca, e o antigo local de trabalho de Erico é a sala de jantar.
No porão, o último escritório de Erico está intacto. Curiosa e algo vocacionada para a arqueologia, Lúcia, a carioca de olhos verdes que Luis Fernando conheceu há 49 anos, mandou escavar além da parede dos fundos e percebeu que os alicerces sustentariam mais um cômodo. Nele instalou uma despensa e descobriu que a temperatura ali não ultrapassava os 16 graus, ideal para a preservação de vinhos de boa cepa. É da adega de Lúcia que vem o carmenère chileno Tarapacá Gran Reserva 2009, para o almoço com que o casal recebeu a reportagem para este "À Mesa com o Valor".
E foram instalados mais dois quartos contíguos ao escritório de Erico. Num deles, onde Luis Fernando trabalha, nasceu a Velhinha de Taubaté, a única brasileira que acreditava no governo da ditadura, em certas privatizações de FHC e que veio a expirar a 25 de agosto de 2005, dia em que seu derradeiro ídolo, Antonio Palocci Filho, foi defenestrado pela primeira vez do Ministério. Seu criador escreveu no obituário: "Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio."
No outro quarto, Luis Fernando ensaia com seu Jazz 6, que o solista de sax alto descreve como "o menor sexteto musical do mundo", pois só tem cinco membros. Mas isso não é o mais estranho. Na juventude, fez parte do Renato e Seu Sexteto, que tocava em bailes de debutantes e se intitulava o maior sexteto do mundo, pois tinha nove músicos.
O saxofonista queria ser trompetista como seu ídolo Louis Armstrong. Mas, aos 16 anos, na escola de música onde estudou em Washington não havia trompete para emprestar aos alunos. "Só saxofone. Então foi saxofone mesmo, como o de Charlie Parker."
A casa tem quatro quartos no andar de cima e a Luis Fernando parece que falta algo. "De repente, isto aqui ficou grande."
O pai morreu em 1975; a mãe, Mafalda, há cinco anos. Luis Fernando e Lúcia viram os três filhos, Fernanda ("ela tem 47 anos agora; eu acho"), Mariana, 44, e Pedro, 40, crescerem nesse espaço. Faltavam netos. A filha de Fernanda, Lucinda, chegou há apenas três anos e meio. Depois de ter andado pelo mundo, com a mãe e o pai, Enzo, um inglês, a neta mora agora num apartamento das proximidades. Loirinha de olhos azuis, que sorri muito, mas não fala com estranhos, a única neta visita os avós todos os dias. No fim da tarde, porém, vai embora e leva o bulício para a própria casa.
"Só eu e a Lúcia. Muitas camas vazias..."
Não é propriamente um lamento, mas constatação. Luis Fernando, sabe-se, não é de lamentar-se. Ele cobriu todas as Copas do Mundo desde 1986, sempre enviado pelos meios de comunicação em que trabalhou ou trabalha - "a revista 'Playboy' foi a primeira, e eu tinha que explicar a todos os porteiros o que a 'Playboy' estava fazendo lá". Ficou feliz com as vitórias e frustrou-se com as derrotas. Mas não chorou lágrimas de esguicho como um personagem de Nelson Rodrigues ao ver no Estade de France a seleção brasileira perder por 3x0 para o time de Zidane em 1998. Também não o viram gritar "é téétrrra! é téétrrra! Acabooou!", quando a mesma seleção ganhou nos pênaltis da Itália em 1994 nos Estados Unidos. Sua voz é mansa; o tom, baixo.
Mais do que econômico, Luis Fernando é absolutamente avaro no falar. "A timidez, a dificuldade de me comunicar pela fala, me prejudica. Gostaria que não fosse assim. Mas, com esta idade, não dá mais para mudar, não é mesmo?"
Com o lançamento de "Em Algum Lugar do Paraíso" - seu 73º livro, o 29º pela editora Objetiva - ele tem, porém, aparecido em declarações aos jornais e até voltou à "Playboy", desta vez como entrevistado.
O convívio com jornalistas começou em 1967, quando, graças às relações da família com Paulo Amorim, diretor do jornal, lhe ofereceram a vaga de copydesk na "Zero Hora" de Porto Alegre. Reescrevia matérias, fazia um guia de bares e restaurantes, redigia até horóscopo - "Era sempre o mesmo texto, só trocava os signos, até descobrir que as pessoas leem o horóscopo inteiro, o do próprio signo e o dos outros." Foi até editor de "frescuras", como se dizia na época dos assuntos tratados na seção cultural. Por isso conhece as redações por dentro e, afável, não se recusa a dar entrevistas, mas prefere fazê-lo por e-mail (antes era por fax).
"Escrevendo me expresso melhor. Numa entrevista como esta, espontânea, a gente acaba dizendo bobagem. Na entrevista cara a cara para o 'Estadão', por exemplo, disse que determinada revista se transformou num boletim da direita brasileira..."
-... Ou do Tea Party americano.
- Exato. Mas me arrependi. Por que procurar mais uma briga? Uma briga boba, né? Por e-mail você recebe as perguntas, pensa no que vai responder, reescreve, corrige. Por escrito, as respostas são mais responsáveis.
O que mais o assusta é entrevista na TV. Ainda estávamos na biblioteca, antes do almoço, quando Lúcia avisou que telefonaram da GloboNews para suspender a entrevista do dia seguinte, no Rio, porque o entrevistador, Edney Silvestre, adoecera. "O que ele tem?" "Disseram que não é nada grave, mas a entrevista foi adiada." Luis Fernando parece aliviado. E só então se manifesta o cronista, o excelente intérprete das emoções próprias e alheias: "Eu ia dizer que bom, mas... coitado".
O livro que acaba de chegar às livrarias, e já aparece na lista dos mais vendidos, é uma coletânea de crônicas. Nelas, Luis Fernando exibe, como diz a contracapa, a costumeira "tremenda elegância narrativa" e o "humor refinado". Um dos momentos "hilários" - como diria o Boca, genro bicho-grilo da série Família Brasil, criada quando o cronista estava certamente "com preguiça e preferia desenhar a escrever" - é de "O Verdadeiro George Clooney". O autor confessa a inveja que tem do ator bonito, charmoso, rico, adorado pelas mulheres. Diante de tanto sucesso, escreve: "Só nos resta a calúnia". São quase dez os defeitos que ele inventa e proclama, do mau hálito ao suspeitíssimo fato de Clooney, aos 50 anos, continuar solteiro. Na última linha, injúria e difamação chegam ao paroxismo, e a oportunidade de botar a política no meio não é desperdiçada: "Além de tudo, tem seborreia e é republicano. Passe adiante".
- Você vendeu 5,6 milhões de livros até agora. E a editora pretende vender mais 50 mil só na primeira edição de "Em Algum Lugar do Paraíso". Você é uma unanimidade nacional, como Chico Buarque?
- Recebo cartas de alguns leitores, principalmente do "Estadão", que desmentem essa unanimidade. Eles descem o pau. A discordância é sempre política.
- Leitores do "Estadão" são mais agressivos do que os do "Globo"?
- São. O jornal até não publica os e-mails mais violentos, os que partem para a ofensa pessoal. Mas a redação manda para mim.
Verissimo já foi mais presente na imprensa. Passou pela "Folha da Manhã", de Porto Alegre, pela revista "Veja", pelo "Jornal do Brasil", e, hoje, por vontade própria e ao contrário do que desejariam os diretores de redação, só escreve para publicar às quintas-feiras e domingos na "Zero Hora", no "Estado de S. Paulo" e "O Globo", cujas agências distribuem a coluna para jornais de todo o país. O texto das quintas-feiras é mais curto, ligado à atualidade política, brasileira ou mundial, e é o mesmo para todos os jornais. Na quinta-feira em que esta entrevista foi feita, por exemplo, tratou, em 32 centímetros, da crise do euro, e concluiu que "a Alemanha, finalmente, consegue transformar os europeus em súditos do seu reich econômico. Sem disparar um tiro".
Aos domingos, o mesmo texto vai para o "Globo" e "Zero Hora". Ao "Estadão" é reservada uma crônica de costumes, como as reunidas em seu mais novo livro. São histórias da vida privada - "ficção, relação de casais e tal" -, temas já presentes em muitos de seus livros e que foram sucesso em séries da TV.
O importante é a criatividade com que os enredos se renovam. Num cenário de casamento ("Os seios da Maria Alice"), por exemplo, a mãe da noiva dançou com o noivo, o pai do noivo dançou com a noiva, a mãe do noivo dançou com o pai da noiva, a nova mulher do pai da noiva dançou com o namorado da mãe do noivo, a terceira mulher do pai do noivo dançou com o Rosca e o padrasto da noiva, felizmente, estava com um problema na perna - o fim é sempre surpreendente. Verissimo reflete sobre o tempo, o desgaste do amor e da amizade, o que não foi e poderia ter sido se Eva, "ainda úmida da criação", não tivesse perguntado a Adão "que dia é hoje?", até a conclusão do filósofo para seu cachorro: "A recusa da morte é a mãe da filosofia".
- Você se considera um humorista? Como você se descreveria?
- [Risos] Sou colorado [torcedor do Internacional]. E isso tem me dado grandes alegrias e pequenos desgostos. Minha vocação é mais pro deprimido do que pro humorístico... [Mais sério] Na verdade, o humor é um estilo. E com esse estilo você pode tratar de qualquer assunto, sério ou não sério. Meu humor não é espontâneo, é uma coisa mais pensada, diria até que é uma técnica. Não sou um cara que tem a piada pronta na ponta da língua. No tempo em que o Analista de Bagé fazia sucesso [lançado em 1981, o livro continua vendendo bem], era comum um editor de jornal ligar e perguntar "o que o Analista de Bagé diria da última do Delfim Netto?" Eu sempre respondia: "Se me der um tempinho pra pensar numa piada, o Analista de Bagé vai responder por fax". Sou introvertido, mas nunca fui enclausurado. E até tinha um espírito aventureiro. Gosto muito de viajar. [Publicou sete livros com roteiros de viagens pelos lugares mais interessantes do mundo. Destaque: restaurantes.]
- E se eu dissesse que você não é um humorista, mas um pensador bem-humorado?
- Olha, aceito a descrição e agradeço. O grande exemplo de pensador que nós temos aqui é o Millôr Fernandes. Muito mais do que humorista, é um intelectual completo.
O almoço está servido. Em família, caseiro. E gaúcho. Picanha inteira, caprichosamente crostada ao redor e tenra, suculenta, no interior, para ser fatiada. Arroz aparentado com o carreteiro, só mais sequinho. E batatas coradas, alface, agrião, tomate. Azeite extravirgem, vinagrete. O repórter repete e repete.
"Dona Eva, venha cá. O Valor Econômico quer lhe entrevistar. Aí está: Eva dos Santos!" Luis Fernando convoca a cozinheira para os aplausos.
- Parabéns. A senhora pode me dar a receita dessa carne?
- É picanha, eu só boto o sal. Às vezes é sal grosso. Hoje usei sal fino. É só passar o sal e botar no forno bem quente. Se for no forno frio, cozinha demais. Boto a picanha inteira, como veio do mercado. Pra ficar no ponto leva uns 20, 25 minutos. A receita é essa.
- E os patrões são bons?
- Estou aqui faz 30 pra 31 anos. O que o senhor acha?
A sobremesa tem pêssegos, laranja-lima, laranja-do-céu. [Lúcia: "Meu sogro não gostava. Dizia: "Se o céu é tão sem graça, não quero saber dele"]. Salada de frutas. E sorvete de creme. "Häagen-Dazs? Não, Sorvelândia. Me parece que é de Caxias do Sul", diz Lúcia. O sorvete da Sorvelândia é realmente saboroso, mas seu marido prefere os pêssegos.
Desde 1991 - "eu acho" - Luis Fernando tem restrição alimentar: doces, frituras, carboidratos, sal em demasia. Não chegou a sofrer um enfarte, mas andou perto. Sentiu-se mal em Porto Alegre e foi tentar vencer a obstrução arterial em São Paulo. Lá o médico considerou arriscado operá-lo e o encaminhou para Boston, onde lhe implantaram três safenas e uma mamária. "É essa mamária que me mantém de pé. Enfim, já são 75 anos."
- Mas você é um dos brasileiros que vai chegar aos 150.
- Tu acha?
- Acho, tchê.
- 125 já me serve.
O pai, que falava com um acento gaúcho ainda mais genuíno, levou, em 1943, a família para a Califórnia, onde foi lecionar por dois anos em Berkeley e em Los Angeles. E a alfabetização de Clarissa e Luis Fernando ocorreu simultaneamente em português e inglês. Em 1953, Erico está novamente nos Estados Unidos, desta vez em Washington, para chefiar o Departamento de Assuntos Culturais da então União Panamericana (embrião da atual Organização dos Estados Americanos, OEA) e ali Luis Fernando e Clarissa fizeram a "high school". Clarissa gostou dos Estados Unidos e de um americano. Casou-se e ainda mora por lá.
- Você está rico, Luis Fernando?
O escritor pensa um pouco e responde suavemente: "Não". Lúcia complementa: "O Jô Soares já perguntou isso e se era eu que tomava conta do dinheiro. Nosso filho, Pedro, que estava presente, respondeu: 'Mas que dinheiro?'"
Os Verissimo, em verdade, têm um apartamento em Ipanema, no Rio, e um "estudiozinho" em Paris, de 50 metros quadrados, que Lúcia esclarece: "Fica pertinho do Trocadero e foi comprado muito barato em 98, o mercado estava em baixa. Depois, o mercado explodiu e sem querer fizemos um bom negócio".
Quando voltou dos Estados Unidos, em 1956, Luis Fernando teve dificuldades para revalidar o diploma e foi estudar no Instituto Panamericano (IPA), colégio metodista cujas aulas de latim abominava. "O Jockey Club era perto. Eu matava as aulas de latim e ia ver os cavalos treinarem. Não que gostasse de cavalos, não gostava é de latim. Aliás, na única vez em que este gaúcho tentou montar um cavalo, percebi que ele também não gostava de mim."
Mas já não queria mais estudar. O pai não se opôs, "estava resignado a ter um filho vagabundo". O desejo do jovem era fazer cinema ou ser diretor de arte, desenhista de uma grande agência de publicidade. Na Inglaterra, por exemplo. [Seu traço rápido, minimalista, estrearia na imprensa 12 anos mais tarde, com "As Cobras". Paralelamente ao trabalho na "Zero Hora", foi redator da MPM Propaganda em Porto Alegre, durante quase 15 anos. Antes, ficou por alguns dias na Mercur Publicidade, cujo dono o demitiu "porque não dava para a coisa".]
Aos 26 anos, sem profissão definida, mudou-se para o Rio, onde pretendia juntar dinheiro e partir para Londres.
No Rio, arrumou emprego de tradutor na empresa de um americano que editava um boletim para a Câmara de Comércio Brasil-EUA. "O cara era um picareta, não me pagava e fazia negócios muito suspeitos. Pedi demissão com medo de acabar preso." Não conseguiu o dinheiro para viver em Londres, mas conheceu, namorou e casou-se com a secretária, Lúcia Helena Massa. "Então, sem nenhuma perspectiva no Rio, casado e já com uma filha, fiz a coisa mais sensata. Voltei pra casa do pai. Foi lá por 1966, acho."
Quase à sobremesa, Fernanda, a filha mais velha, entra na sala. "Venha cá, quero te exibir", diz Verissimo. "Ela acaba de defender tese na Sorbonne. Em francês. Foi aprovada com louvor, e a junta era rigorosa." Fernanda é formada em jornalismo, mas nunca exerceu a profissão. O pai resume seu currículo: "Ela partiu para várias aventuras internacionais. Dirigiu o Instituto Brasileiro em Moçambique e morou dez anos em Paris. Aí preparou uma tese interessante sobre os livros produzidos pelos índios guaranis nas missões jesuíticas". Os índios tinham tipografia própria numa época em que a única tipografia existente na América do Sul estava em Lima. Fernanda viu o primeiro desses livros em São Paulo, na biblioteca de José Mindlin - a quem reverentemente chama de "o doutor José" -, que a estimulou a sair pelo mundo em busca de outros. Ela os encontrou na Argentina, no Rio Grande do Sul, na Espanha, na França, nos Estados Unidos. "Um deles tem um nome lindo, 'Da Diferença entre o Temporal e o Eterno'."
Lúcia e Luis Fernando foram a Paris para acompanhar a filha na defesa de sua tese - "e comer bem, é claro" - e o restante da família veio para Porto Alegre para ficar com Lucinda. Mariana, formada em arquitetura e roteirista de cinema e TV, veio de São Paulo; Pedro, cantor e compositor de rock depois de ter sido um bem-sucedido publicitário - "tem voz boa, o safado" -, veio do Rio.
- Seu texto leve dá impressão de que você senta ao computador, começa a digitar e em 15 minutos está tudo pronto. Escrever, criar, é realmente tão fácil?
- Não sei se estou mais exigente ou mais preguiçoso. Mas não escrevo com facilidade, não. Cada vez fica mais difícil começar, amarrar o final. Isso de acharem que escrevo com facilidade já me criou problemas. Houve quem pensasse que faço isso com o pé nas costas, por isso me pagavam mal, ou nem pagavam. Talvez meu texto devesse ser mais rebuscado...
- Depois de ler as 41 crônicas deste livro, o leitor fica com a sensação de que você é firme nas suas convicções, mas, de repente, se permite considerar que tudo poderia ser exatamente o contrário. Você, no fundo, tem admiração por este mundo tão complexo?
- Não convivo bem com fundamentalismos. Não se pode ter certeza de nada, né? Sempre tem o outro lado da questão.
- E esse ponto de exclamação que acaba seu livro?
- Que ponto de exclamação?
- Está aqui, olhe. Ocupa uma página inteira, como se fosse uma nova e última história. Não é um ponto de interrogação.
- Isso não é meu. É do planejador gráfico da editora. Literalmente uma exclamação. Eu nem tinha notado. Ficou bom!...
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