terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Quando a virgindade não passa de um rótulo



Por David Kamp
Bloomberg BusinessWeek

Americanos são recém-iniciados no romance do azeite de oliva, que adotaram apenas nas últimas décadas como produto alimentício desejável, algo com que podem temperar saladas requintadas ou untar um robalo grelhado. Nos tempos obscuros da culinária de 1939, a revista "Life", em artigo sobre Joe DiMaggio, difamou o produto como intoleravelmente étnico, e elogiou o "Yankee Clipper" por não ser um ítalo-americano desagradável como o azeite: "Ele nunca cheira a alho" e "em vez de usar azeite de oliva [...] mantém o cabelo liso com água".

Embora ultrapassada e preconceituosa, a declaração pelo menos mostra as múltiplas utilidades do azeite de oliva - produto que, como Tom Mueller assinala em "Extra Virginity", é apreciado há milênios por culturas europeias. O azeite de oliva não é apenas um alimento e tônico capilar. Na Grécia antiga, também era usado como combustível, loção para a pele, contraceptivo, detergente, preservativo, pesticida, perfume, e para curar doenças do coração, dores de estômago, perda de cabelo, flatulência e transpiração excessiva. O valor do azeite na antiguidade era tanto, que também funcionava como uma espécie de moeda, entregue a atletas vitoriosos em vez de dinheiro.

Ainda assim, o interesse principal de Mueller é pelo bom sabor do azeite de oliva e pelo realce que dá a outros alimentos. "Extra Virginity" é um trabalho de não ficção culinária, gênero em pleno crescimento, cujo porta-estandarte é Mark Kurlansky, autor de "Bacalhau - A História do Peixe que Mudou o Mundo" (1997) e "A Grande Ostra - Cultura, História e Culinária de Nova York" (2006), entre outros livros.

O azeite de oliva é assunto até mais merecedor de um livro do que qualquer um que Kurlansky tenha abordado: imediatamente reconhecível (todos já mergulhamos um pãozinho naquele pequeno pote raso com azeite nos restaurantes italianos), mas pouco compreendido e repleto de intrigas. Como se pode saber, ou não, dependendo do volume de jornalismo alimentício-alarmista que se tenha consumido, praticamente todo azeite de oliva vendido em supermercados é medíocre e grande parte do que é comercializado e celebrado como sendo da melhor qualidade, extra virgem, é produto adulterado.

A fraude nos azeites de oliva é tão difundida que boa parte de "Extra Virginity", mais do que uma apreciação do notável líquido, é uma acusação contra as grandes empresas alimentícias, similar a "Fast Food Land", de Eric Schlosser, ou "Tomatoland", de Barry Estabrook - só que, no caso, os grandes vilões são na maioria italianos. Mueller é um escritor americano que mora na Itália, coração da indústria de azeite de oliva. Logo no início do livro, ele fica cara a cara com dois vilões: Domenico Ribatti, que foi o maior negociante mundial de azeite de oliva a granel, que vendia para marcas de grande presença nos supermercados, como Bertollie e Filippo Berio, mas acabou preso por, entre outros problemas, passar óleo de avelã turco como se fosse azeite oliva; e Leonardo Marseglia, importador proeminente acusado de contrabando, de vender azeites baratos não europeus como se fossem feitos na Itália e de falsificação de documentos para evitar pagar tarifas de importação.

Ribatti e Marseglia cobrem Mueller de negativas, evasivas escorregadias e tentativas de sedução que evocam outro italiano bem escorregadio, cujo nome nunca aparece em "Extra Virginity": Silvio Berlusconi. A conclusão quanto ao tácito aval do setor à fraude - a aparente cumplicidade de autoridades alfandegárias, os órgãos de defesa do consumidor que fazem vista grossa enquanto óleos de sementes e outros produtos de baixa qualidade são refinados e vendidos como azeite de oliva de boa qualidade - é que, simplesmente, essa é a maneira italiana: uma divertida travessura do tipo "todo mundo faz". Esse é precisamente o tipo de mentalidade que levou à queda de Berlusconi e, mais alarmante, à crise da dívida italiana.
O livro de Mueller foi impresso antes da queda de Berlusconi, mas, ainda assim, fica o desejo de que o autor tivesse conectado os pontos entre a fraude com o azeite e a abrangente cultura política que propiciou sua disseminação. Há insinuações quanto a isso - como a menção a uma investigação de 2007, da União Europeia, reveladora de que 95% de todos os subsídios agrícolas europeus em que se encontraram irregularidades referiram-se a casos na Itália -, mas Mueller não aprofunda sua própria investigação.

Teria sido interessante saber mais sobre os motivos pelos quais há uma demanda sem precedentes pelo azeite de oliva italiano. Mueller mal entra no redemoinho de fatores sociais, culinários e de saúde que levaram os Estados Unidos a se tornarem o terceiro país que mais consome azeite de oliva no mundo: a emergência do "olio di oliva" como um produto alimentício de status, por exemplo, ou o evangelismo televisivo de Rachael Ray, que popularizou "Evoo" como sigla em inglês para azeite de oliva extravirgem.

"Extra Virginity" não é tão profundo nem divertido como poderia ser. Não é por falta de persistência por parte do autor - há incursões em subculturas "óleo-cêntricas" em Israel, Creta, Chipre, Espanha, Austrália e Califórnia, entre outros lugares - mas há uma natureza superficial em seus capítulos, uma sensação de que são um conjunto de artigos vagamente conectados em vez de uma narrativa sustentada como no estilo de Kurlansky (de fato, "Extra Virginity" nasceu de um artigo, "Letter from Italy", publicado na revista "New Yorker").

A verdade é que o tema escolhido por Mueller é tão rico (apesar de baixo em gorduras saturadas) que poderia acomodar uma vastidão de abordagens se o livro fosse mais longo, mais épico. Com suas relativamente magras pouco mais de 200 páginas, "Extra Virginity" parece meio desnutrido.



"Extra Virginity - The Sublime and Scandalous World of Olive Oil"

Tom Mueller. W. W. Norton. 238 páginas, US$ 26,00

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