terça-feira, 8 de novembro de 2011

SALVADOR ESTÁ PARANDO


“Em breve não haverá mais chão para construir em Salvador, embora mais gente haverá para ocupar o vazio que se acaba” (José Nogueira – arquiteto urbanista, professor da Unifacs)

Por Orlando Amado

A verdadeira densidade demográfica de Salvador
Há algo de errado no reino do acarajé. É certo que políticas governamentais e ações estratégicas voltadas para a melhoria da cidade buscam referências nos dados informados pelo IBGE; formulam diretrizes que a seu tempo e no seu contexto irão orientar, por exemplo, a elaboração do PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, as normas de uso e ocupação do solo, a avaliação da necessidade de novas ruas e avenidas, e muitas outras mais, cruciais para o dia-a-dia da cidade. Elas, no entanto, podem estar se baseando em parâmetros incorretos.

O site do IBGE, informa com dados do censo de 2010, que a área territorial de Salvador é de 693,292 km2, população de 2.675.656 habitantes e densidade demográfica de 3.859,35 hab/Km². Ocorre que a zona territorial da cidade de Salvador tem o formato de um triângulo quase equilátero, com mais ou menos 26 km de cada lado, portanto com área territorial de não mais que 330 km2. Com uma população, atualmente, de quase 3.000.000 de habitantes, numa conta fácil para qualquer estudante de ensino médio, a densidade demográfica de Salvador não é de 3.859,35 hab/Km² e sim de cerca de 9.100 hab/Km².

Informações erradas como esta, geram uma interminável cadeia de equívocos que conduz a graves distorções da realidade, certamente provocando ações governamentais insuficientes e inadequadas para a efetiva e urgente solução dos grandes problemas que hoje sacrificam a cidade.

“a densidade demográfica de Salvador não é de 3.859,35 hab/Km² e sim de cerca de 9.100 hab/Km².”

A população da cidade de São Paulo cresceu menos de 5% entre 2000 e 2010 (de 10.434.252 para 10.990.249 habitantes). Já a população de Salvador, só entre 2000 e 2008 cresceu 20,69% (de 2.443.107 para 2.948.733 habitantes). Foram 505.626 novos habitantes nesse período. É quase que uma Feira de Santana (segundo maior município em população no Estado, com 584 mil habitantes) colocada dentro de Salvador em oito anos. Com este crescimento populacional, Salvador tem atualmente densidade demográfica de 9.100 hab/Km², a maior densidade demográfica dentre as maiores capitais do Brasil e uma das maiores do mundo. Sem grandes obras de infraestrutura viária e transportes públicos, de mobilidade urbana enfim, Salvador está “literalmente, parando”.







Densidade demográfica, estrutura de transportes e qualidade de vida.
Segundo o censo americano de 2.000, a população de Nova Iorque, de 8.008.278 habitantes, praticamente não cresceu na última década. A cidade, com densidade populacional de 10.194,20 hab/km2 tem IDH de 0,967 , possuindo uma excelente infraestrutura de mobilidade urbana, com 370 km de linhas de metrô, e uma vasta e eficiente rede de ônibus, compondo assim um dos mais completos e integrados sistemas de transporte de massa do mundo. Londres tem população de 8.278.251 habitantes, densidade demográfica de 12.331 hab/Km², um metrô de 400 km de linhas e um elevadíssimo padrão de IDH de 0,940. São Paulo, com 11.253.503 habitantes, densidade demográfica de 7.497,35 hab/km2, com 74 km de linhas de metrô, tem IDH de 0,841, o 63° na colocação nacional. Salvador, com 3.000.000 de habitantes, densidade demográfica de quase 9.100 hab/ Km², sistema de transporte público precário, tem o baixíssimo IDH de 0,805, o 467° na colocação nacional.
Ainda que os fatores aqui comentados não sejam diretamente computados para efeito do cálculo do IDH, é fácil perceber como resulta estreita e direta a relação entre o IDH - Índice de Desenvolvimento Humano e a qualidade do transporte público, independentemente da população e densidade demográfica altos.


A distribuição populacional.
Salvador, cidade saturada, estrangulada, asfixiada, apresenta agora os sinais das últimas administrações, fracas, míopes, personalistas, externando um problema que já está ficando incontornável, que já está batendo às portas dos seus próximos governantes. Os atuais fingem desconhecê-lo, “passando a bola adiante”, porque as piores consequências não serão sentidas agora, na sua gestão, e sim nas próximas. É assim como uma bomba de efeito retardado, cujos primeiros sinais já podem ser sentidos, que está armada para explodir a qualquer momento,
Dentro da área urbana de Salvador, diversos “bairros” têm densidade demográfica de dimensões desumanas, como o Nordeste de Amaralina, com 50.000 hab/Km², Novos Alagados com 49.000 hab/km2 e Cajazeiras com mais de 40.000 hab/km2. Imensos aglomerados de casas inacabadas, com paredes sem reboco e ferragens aparentes, são “bairros” nascidos sob a forma de “invasões” quase que consentidas pelo poder público, verdadeiros “currais eleitorais” estimulados pelas ações populistas irresponsáveis dos “políticos de plantão” que, para se omitirem de destinar recursos para a melhoria dos sistemas de mobilidade urbana, permitiram (não impedir é o mesmo que permitir) que pessoas de baixa renda levantassem a sua habitação de forma irregular, na maioria dos casos sem qualquer infraestrutura, em áreas localizadas o mais próximo possível dos seus locais de trabalho. Assim, os seus ocupantes, quase sempre trabalhadores informais, carentes de tudo, podiam até ir andando para o trabalho, não precisando de muito empenho do poder público para a melhoria do sistema de transporte coletivo.

Isso provocou um desordenado processo de ocupação, pelo que a cidade paga hoje um alto preço, seja com a inegável desfiguração da cidade, ou com o baixíssimo IDH observado nessas. Por conta da altíssima densidade demográfica desses verdadeiros “amontoados humanos”, tornam-se inviáveis melhorias nos sistemas de saneamento urbano, de transportes ou de segurança pública, pela extrema dificuldade de acesso, o que os faz ficarem isolados, quase ilhas, redutos em potencial de criminalidade e de altíssimos índices de violência.

Ao mesmo tempo, regiões como Stella Maris, Itinga, Ceasa, Represa de Ipitanga e Tubarão, todas nos limites do município, são grandes vazios urbanos com baixas densidades demográficas – com menos de 1.000 hab/Km², e uma vocação natural para serem vetores de políticas positivas de uso e ocupação do solo, prontos para atender a medidas de melhor distribuição habitacional, viabilizadas por agressivas ações governamentais que priorizassem basicamente as vias de acesso e o transporte público. Transporte de massa eficiente deve ser a prioridade. O candidato a prefeito que tiver essa meta para o seu governo, certamente estará na frente.

“Transporte de massa eficiente deve ser a prioridade.”

A falta de bom sistema de transporte público e o transporte individual.

Alguns “especialistas” dizem que a multiplicação de carros no Brasil é uma “bomba relógio ambiental” de grandes proporções. Na verdade, a relação veículo por habitante no Brasil, que ainda é de cerca de 1 veículo/6 habitantes (com a ascensão das classes C e D essa relação será, em média, de 1 veículo/4,8 habitantes em 2014, e deverá ir a 1 veículo/3,4 habitantes em 2018) é relativamente baixa se comparada com países desenvolvidos como Alemanha, Japão, Reino Unido, França, Espanha e Canadá, que têm entre 1 veículo/1,6 habitantes e 1 veículo/1,9 habitantes. Nos Estados Unidos, a paridade de 1 veículo/1,2 habitantes é possibilitada por uma excelente infraestrutura de mobilidade urbana que permite essa convivência pacífica, sem que isso signifique engarrafamentos caóticos – exceto casos pontuais, localizados, aceitáveis.
É indiscutível que quanto melhor o transporte público, melhor a cidade se torna para todos, inclusive para os usuários de automóveis. Nas mais avançadas cidades do mundo, cidades que atraem muitos investidores, consumidores exigentes, e muitos turistas, a maioria da população transita em transporte público. Quando o poder público investe mais no transporte individual, deixando o sistema de transporte de massa em segundo plano, numa péssima inversão, até os mais pobres procuram os carros para se locomover. É esse o ambiente propício para a instalação das “máfias do transporte alternativo”.
Em Salvador, existem hoje cerca de 750.000 veículos (uma razoável relação de 1 veículo/4 habitantes). O problema é que a estrutura viária não acompanhou o crescimento da população e do nº de veículos, na mesma proporção; os carros não encontram espaço para circular. O atual sistema viário de Salvador já não suporta a quantidade de carros que entra em circulação diariamente, para suprir a falta de transporte público eficiente, se “amontoando”, engarrafando, congestionando em qualquer horário, todas as vias de tráfego, insuficientes que são para essa quantidade de veículos.
Nos chamados “horários de pico”, quando se adensa o volume de tráfego, um veículo gasta uma hora para percorrer menos de 8 km, qualquer que seja a sua direção. Ocasionalmente acontece um “travamento” geral do trânsito que quase triplica esse tempo, quando se chega a gastar 1 hora para se percorrer menos de 5km. Não é pra menos, pois em cada km2 da cidade existem 9.090 habitantes e 2.270 veículos; lembrando que esse mesmo quilômetro quadrado tem que conter espaço para a moradia, para o comércio, para o lazer e para a indispensável circulação, sem sombra de dúvida, fica indiscutível que, sem uma boa estrutura viária e sem transporte público eficiente, esta é uma equação catastrófica.

“Em cada km2 da cidade existem 9.100 habitantes e 2.270 veículos;
sem uma boa estrutura viária e sem transporte público eficiente,
esta é uma equação catastrófica.”

Entre 2001 e 2009 a frota de veículos de São Paulo aumentou 47% enquanto a de Salvador aumentou 61%. Essa tremenda desproporção fica mais grave ainda se compararmos a renda per capita paulista com a bahiana, o que ajuda a compreender porque os pátios das empresas que fazem “buscas e apreensões” de veículos são mais abarrotados aqui do que lá, proporcionalmente, e porque 42% da frota de veículos rodou em Salvador em 2009 sem o licenciamento. Dentre as capitais do Brasil que mais crescem, Salvador possui uma das mais baixas “rendas per capita”. Ninguém, salvo em poucas exceções, usa carro só por que quer ou por puro exibicionismo, comportamento pouco observado em quem usa o carro só pra ir e voltar do trabalho. Além de tudo, o custo de manutenção de um veículo é alto, girando em torno de R$ 10 mil anuais, para um veículo médio. E o bahiano continua comprando carro mesmo sem poder ou sem necessidade, enquanto a cidade segue explodindo, destruindo a vida do cidadão que está sendo forçado a usar o carro para se deslocar por não ter opção de transporte público. Os carros deveriam permanecer, a maior parte do tempo, em casa, nas garagens. Além de dinheiro, o motorista perde uma boa parte de sua vida. Sem um eficiente transporte de massa não há como escapar da utilização do automóvel; é a única e desesperada opção. Resta a modalidade de seguro mais usada em Salvador que é o adesivo com as inscrições “Deus é fiel”, “Deus protege” ou “Foi Deus que me deu”.
A questão do congestionamento na Bahia está passando dos limites, chegando ao desastre. Fugindo disso, boa parte da “classe média” de Salvador está indo embora, para municípios vizinhos, bem próximos e muito mais espaçosos e com crescimento planejado e organizado e possibilidades mais humanas de habitação e lazer. Isso, certamente, representa uma significativa evasão na arrecadação de impostos. Os candidatos à prefeitura de Salvador têm que enxergar isso.

“Isso, certamente, representa uma significativa evasão na arrecadação de impostos.
Os candidatos à prefeitura de Salvador precisavam enxergar isso.”

Avenidas saturadas
Um veículo de passeio, parado, ocupa em média 8m² (em trânsito, esta área é mais que dobrada, chegando a mais de 15m²). Se levarmos em conta os ônibus e caminhões, que ocupam três vezes esta área, a enorme quantidade de semáforos e quebra-molas, o “efeito elástico” quando os semáforos se abrem, as ocorrências imprevisíveis, eventuais obras, etc., temos que multiplicar em muito a área efetivamente ocupada pelos veículos em trânsito. Qualquer pessoa percebe que a área da malha viária existente não comporta esta quantidade de veículos das horas de pico e é para estas horas que as vias têm que ser dimensionadas. No entanto, uma cidade nunca resolverá o problema de engarrafamentos apenas dando mais espaço para automóveis, construindo mais vias ou duplicando as já existentes, pois o espaço que for acrescentado fatalmente também será ocupado. Mais investimento em transporte rápido de massa significa menos carros particulares nas ruas. O sistema viário de Salvador carece de uma nova matriz de mobilidade, que privilegie o transporte de massa.

“Mais investimento em transporte rápido de massa significa menos carros particulares nas ruas.”

O resultado é o que se vê todos os dias, a qualquer hora, em todas as avenidas da cidade. Carros se comprimindo, se empurrando, estressando os seus condutores e passageiros, tirando-lhes todos os dias muitas horas de suas vidas só para se deslocarem na ida e na volta para o trabalho, num terrível conflito entre carros e pessoas. Não existe mais “hora do rush” e isso significa perda total de mobilidade; um acidente qualquer numa dessas vias, em qualquer horário, é um verdadeiro caos. Estudantes deixam de chegar aos seus cursos, ou ficam nas portas das escolas esperando serem apanhados, doentes não conseguem ser atendidos pelas ambulâncias nem chegar aos médicos e hospitais, embarques para viagens de ônibus ou de avião são perdidos, enfim, vidas são transtornadas, com seus compromissos de toda ordem cancelados ou perdidos.
Se o bahiano deixar o carro em casa, onde ele realmente deveria permanecer, não encontra transporte público; forçado a sair com o carro, percebe que as vias que existem são insuficientes para ele trafegar. Com todas as vias engarrafadas, as características que as hierarquizam em estruturantes, alimentadoras, de integração, de ligação ou de conexão e acesso, se perdem completamente, fazendo de Salvador uma cidade caótica, parada, estrangulada. A luta por uma vaga nos estacionamentos então, é insana.

Engenharia duvidosa
Enquanto o IBGE informa que a densidade demográfica populacional de salvador é de apenas 3.859,35 hab/Km² - uma densidade demográfica europeia, mascarando a gritante realidade, o poder público segue com medidas esdrúxulas de engenharia de tráfego, espalhando semáforos que batem recordes mundiais de tempo de espera (mais atrapalhando que ajudando) - o grande emaranhado do Iguatemi está aí para provar, onde uma tal “LIP”, ao contrário de “ligar” com fluidez, interrompe, corta o fluxo do transito por um tempo absurdo provocando engarrafamentos gigantescos que se propagam por toda a cidade, gastando dinheiro desnecessário com “banhos de luz” em vias públicas já bem iluminadas (achando que está fazendo grande coisa), fazendo o viaduto Nelson Dahia surgir do meio de uma avenida para, no final, mergulhar formando uma incômoda “tesoura”, fazendo um “puxadinho” aqui outro ali, colocando quebra-molas e semáforos sem critérios, todas obras pequenas, meros trabalhos “de maquiagem”, intervenções equivocadas, insignificantes, que só trazem benefício imediato aos empreiteiros lobistas e às vaidades e projetos pessoais do gestor de pouca visão.
De tempos em tempos aparece um gênio na engenharia de tráfego da prefeitura e, em exercícios duvidosos de engenharia de tráfego, inventa uma solução mirabolante como a tal “faixa exclusiva para ônibus”, a ser simplesmente subtraída de vias já congestionadas, mostrando um total pouco caso com os fundamentos técnicos que não recomendam isso ou, no mínimo, sem uma discussão aberta com a comunidade – uma faixa exclusiva de ônibus tem que ser construída, acrescentada às vias já existentes. Assim, apareceram, repentinamente, quase que da noite para o dia, em toda a extensão das avenidas e ruas da cidade, faixas brancas com barrotes sonorizadores que até hoje não funcionaram e que no atual modelo de trânsito nunca funcionarão – a não ser na conta bancária da empreiteira que as colocou e na de quem as autorizou. Para a cidade, o dinheiro gasto com essa maluquice foi todo jogado pelo ralo.

A mobilidade urbana pede passagem
As grandes cidades do mundo, em geral, têm o seu crescimento bem estruturado, bem planejado, onde as obras viárias se antecipam, estabelecendo vetores de crescimento no seu entorno. Vias estruturantes podem sofrer alterações ao longo do tempo, mas são projetadas para terem capacidade de suportar o natural crescimento da cidade, chegam antes da demanda e quando esta surge, vem de maneira controlada, planejada. Há muito tempo que a cidade não vê obras estruturantes surgirem para permitir o crescimento ordenado da cidade. De 1980 para cá houve uma redução drástica de investimentos em infraestrutura viária. As últimas obras foram a Av. Luiz Eduardo Magalhães, com apenas 4,5 km, que em pouco tempo ficou completamente saturada nos horários de pico, e mais recentemente o complexo da rótula do abacaxi, a se integrar com a futura Via Expressa Baía de Todos os Santos, que deverá ligar a BR-324 ao Porto de Salvador – por onde, ninguém sabe ainda. A avenida Paralela é o exemplo de uma obra que ao longo do tempo teve essa função desvirtuada pela política populista dos sucessivos governos que permitiram a ocupação e o uso do solo urbano no seu entorno de maneira errada.
As avenidas de vale, excelentes canais de tráfego idealizadas no início da década de 40, com características estruturantes, já estão esgotadas, engarrafando por qualquer motivo e a qualquer hora. Está faltando aparecer uma prefeitura com coragem e disposição para empreender um programa de grandes obras estruturantes, aproveitando o grande espaço que existe sob os morros da cidade para abrir túneis. Poucas são as cidades que têm essa possibilidade de melhorar a sua malha viária por baixo do chão, atravessando morros, coisa fácil para a engenharia moderna. Algumas avenidas de vale, já irremediavelmente saturadas, poderiam ser interligadas por túneis e elevados a outras avenidas, dando-lhes vazão, com excelentes resultados.

“Poucas são as cidades que têm essas possibilidades de fazer crescer
a sua malha viária por baixo do chão.”


Os pontos de estrangulamento hoje existentes no trânsito de Salvador, como o encontro de vias existente na área frontal ao Iguatemi ou o cruzamento da Av. Lucaia com a Vasco da Gama (antiga Coca-Cola) ou, no Rio Vermelho - o gigantesco gargalo que é o Largo da Mariquita, ou ainda a esburacada Av. San Martin, a caótica rótula do Largo do Tanque, a Av. Tancredo Neves e o seu acesso ao Stiep, o cruzamento da Av. Paulo VI com a Av. Antonio Carlos Magalhães, o encontro das avenidas Juracy Magalhães Júnior e Antonio Carlos Magalhães que já devia ter outro formato, todos eles são possíveis de serem eliminados com a construção de conjuntos de elevados, rótulas, trevos e túneis, juntamente com a requalificação das vias de conexão e acesso já existentes.
Quando se fala em metrô, BRT, VLT, a população de Salvador é assombrada pelos fantasmas que até hoje vagam pela cidade, nos escombros do natimorto “bonde moderno” – antigo nome do VLT da década de 80, ou do metrô de apenas 6 km que há doze anos se arrasta numa construção infindável e que corre o risco de sobrar apenas como um “pedaço de metrô”, perdido, isolado, desconectado do outro “modal” que já surge na cabeça dos empreiteiros lobistas, prontos para pegar carona no projeto de transporte público para a Copa de 2016, seja ele qual for, mas que melhor atenda aos seus interesses.
Mas, o fato é que não dá mais para imaginar que a mobilidade urbana na cidade seja satisfatória num futuro próximo, sem que o foco primordial seja voltado para uma eficiente e inteligente engenharia de tráfego. Isso significa investimento maciço na infraestrutura viária, que envolva desde a implantação definitiva de um metrô com boa capilaridade, o que não é apenas uma opção mas uma necessidade fundamental, até a abertura de novas vias estruturantes de integração e distribuição que permitam um fluxo livre para os veículos em qualquer trajeto, juntamente com a requalificação dos trens do subúrbio, a construção da ponte Salvador/Itaparica interligada à Via Expressa, ciclovias planejadas, colocação de passarelas em lugar de semáforos, tudo voltado para melhor distribuir e equilibrar os fluxos de tráfego da rede viária da cidade.

A verticalização descontrolada da cidade
Para completar esse quadro dantesco, contrariando a lógica e o bom senso, levada por uma gana voraz de arrecadar IPTU de tarifa alta, a prefeitura segue quebrando todos os princípios técnicos no controle do uso e ocupação do solo urbano, autorizando a construção de megaprojetos habitacionais em bairros cujos acessos já estão pra lá de saturados. Os moradores de Brotas, Pituba, Graça, Ondina, Barra – e outros “bairros nobres”, sofrem com engarrafamentos a qualquer hora do dia, por causa da absurda verticalização, que dificulta o trânsito e o acesso àquelas áreas urbanas.
Os enormes condomínios verticais que são construídos de qualquer maneira, sem limites, são ao mesmo tempo causa e efeito de uma especulação imobiliária predatória cujo resultado mais perceptível, mais imediato, é o insuportável congestionamento do trânsito em toda a cidade. Precisamos deixar de ser reféns da especulação imobiliária que define a instalação de equipamentos, o traçado das vias e a construção de imóveis com o inevitável resultado de ruas estreitas, calçadas apertadas, trânsito esgotado. O adensamento populacional desmedido causa um significativo aumento da temperatura média da cidade, e certamente, em futuro próximo provocará resultados ainda mais nefastos que devem ser analisados urgentemente no âmbito do PDDU. A verticalização irrefreada é uma das ações equivocadas da prefeitura de Salvador. Com isso, o cidadão soteropolitano vem sofrendo um acentuado processo de degradação da sua qualidade de vida.
Salvador tem pequena área territorial, em torno de 330 km2, com pouco espaço para crescer, portanto. Verticalizar, crescer “para cima”, é a mais fácil de suas poucas opções de crescimento, e para que isso possa acontecer, o poder público tem que atuar como severo fiscal, rigoroso controlador. Se a verticalização na cidade é inevitável em determinadas áreas, a verdade é que ela é extremamente dependente da melhoria da infraestrutura de transporte público; quanto mais amplitude e capilaridade tiver o transporte urbano, mais se poderá permitir a verticalização, pois com as atuais condições do transporte público e da malha viária, isso não é possível.
Ao invés de estimular tais empreendimentos imobiliários, o poder público deveria sim, inibi-los nos bairros que já têm alta densidade demográfica e/ou péssimas condições de acesso, rede viária e transporte público deficiente e, por meio de mecanismos legais e fiscais de incentivo, direcioná-los para áreas mais afastadas com menor densidade demográfica, que seriam dotadas de uma melhor infraestrutura de acesso e transporte.
Salvador jamais conviveu com o mínimo processo de planejamento de trânsito, mobilidade urbana e uso do solo. A cidade já não aguenta mais; está na hora de os gestores públicos pararem de pensar de maneira isolada e de olhar somente para o próprio umbigo, de olho nos resultados imediatos traduzidos em votos.
Para o professor de sociologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Joviniano Neto, torna-se mais que urgente se repensar as políticas de ocupação do solo. “É planejar agora ou perder a cidade para sempre”, afirma ele.

Orlando Amado de Freitas Filho é analista do Depec - SSA Repre.



e-mail orlando.amado@bcb.gov.br

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