segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A agonia do euro e a cegueira dos políticos



Por Luiz Sergio Guimarães
Para o Valor, de São Paulo
 
O título do livro do jornalista belga Johan Van Overtveldt não é mais uma profecia em um ano saturado de augúrios sombrios.


"O Fim do Euro - A História da Moeda da União Europeia e Seu Futuro Incerto" sustenta que o euro, dez anos depois do seu nascimento, já não respeita mais os moldes em que foi gestado. O euro primordial morreu. Independentemente do que vier a acontecer na Europa, aquilo que sobreviver será outra moeda. A grande dúvida atual é se haverá no futuro alguma que ainda venha a carregar esse nome.

Antigo crítico da forma mais política do que econômica como foi conduzida a união monetária, Overtveldt, atualmente diretor-geral da VKW Metena - usina de ideias dedicada a estudos econômicos e sociais - constata no livro que "não é boa a sensação de saber que minhas primeiras objeções e comentários críticos foram confirmados pela realidade". Mas ele não foi uma voz crítica isolada. Muitos previram o fracasso da união monetária. Seria impensável submeter a uma mesma política monetária países com metas distintas de crescimento, mercados de trabalho com amarras ancestrais irremovíveis e políticas fiscais historicamente frouxas. A moeda única só daria certo se houvesse um governo único e um Tesouro único sob o guarda-chuva de uma mesma Constituição. Como se fossem iguais, alemães, franceses, espanhóis, italianos, irlandeses, portugueses, gregos e cidadãos de outros dez países europeus menores teriam, num contrato constitucional, os mesmos direitos, privilégios, obrigações e compromissos. E cada um falando uma língua própria. Se a união monetária começou a fazer água antes mesmo de comemorar dez anos, como entrelaçar povos culturalmente milenares, ciosos de sua soberania e orgulhosos de sua identidade nacional, e que no passado viviam em guerra?

Os céticos foram obrigados a engolir suas advertências até 2008. A zona do euro prosperava a despeito do estouro da bolha das pontocom, dos ataques terroristas de 11/9, das guerras no Afeganistão e no Iraque. Mas aí, em setembro de 2008, o Lehman Brothers quebrou, e tudo mudou. A onda de choque vinda dos Estados Unidos exibiu a fragilidade estrutural do euro, realçando as dessemelhanças entre os seus 17 membros e sufocando os esforços no sentido de forjar economias cada vez mais parecidas. A contração mundial de crédito acabou com o mito de que era possível fixar a mesma taxa de juros para países tão díspares. O juro é o preço do dinheiro. E, como este é sensível a qualquer coisa, não pode ser tabelado. O dinheiro tem um preço na Alemanha e outro bem diferente na Grécia. Antes da crise, o euro mascarava a discrepância. Em 2008, a maquiagem derreteu.

A solução defendida pelos governos mais ricos da região é a de levar os termos da união até as últimas consequências. Alemanha e França propõem a união fiscal. Como os entraves estruturais são tremendos, tal intensificação de laços pressupõe mais sofrimentos às populações dos países já em crise aberta. O ajustamento requer esforços redobrados na contenção de despesas, redução de salários e aumento de impostos. Por ter enormes custos políticos, tal unificação fiscal é morosa. O seu aceno ao mercado não consegue acalmar os investidores. "Enquanto isso, os bancos europeus, grandes detentores das dívidas soberanas impagáveis, sangram, prejudicando o funcionamento do sistema financeiro internacional e ameaçando o crescimento global", diz a professora de economia da PUC-Rio, Monica Baumgarten de Bolle, no prefácio do livro.

A impossibilidade de se ver claramente o futuro da moeda única deriva da oposição feroz entre os interesses da Alemanha e dos demais países. A Alemanha resiste, para assegurar a sobrevivência do euro, em rediscutir os tratados e as leis que regulam o acordo. Berlim se opõe a que o Banco Central Europeu (BCE) adquira as dívidas dos países sem crédito na praça e que se crie algum mecanismo de transferência de recursos que socialize os desequilíbrios fiscais.

A raiz do impasse reside em que, como mostra Overtveldt, para que os alemães permaneçam no euro precisam se tornar mais "europeus", quando eles querem justamente o oposto, que os europeus se tornem mais "alemães". Os primeiros anos do euro beneficiaram sobremaneira a economia alemã. A expansão de renda gerada na área da moeda única ampliou os mercados compradores de produtos alemães. Na onda do euro, enquanto a Alemanha ganhava competitividade, outros países embarcavam na canoa furada do crédito farto vinda dos Estados Unidos. Hoje, os enfraquecidos irmãos de moeda já não são mais mercados cobiçados pelos alemães. São, ao contrário, fonte de custos e dores de cabeça. No horizonte enevoado, o jornalista belga enxerga claramente a saída da Alemanha da zona do euro. Aberta a porta, sairiam depois a Holanda, a Áustria e a Finlândia. Foi bom enquanto durou.

A Alemanha quer largar o euro? Essa opção implicaria uma supervalorização do marco, um severo golpe na máquina exportadora do país. Seria como um suicídio econômico. A Alemanha quer, na verdade, que os endividados, a começar pela Grécia, abandonem o clube dos 17. Esse caminho significaria pesada desvalorização das novas moedas em substituição ao euro e calote. Os governos sólidos cuidariam da solvência dos seus bancos privados. A alternativa do expurgo não seria o esfacelamento da moeda única, mas o seu fortalecimento, com um menor grupo de países, fiscalmente ajustados. Mas Overtveldt não acredita que a Alemanha terá paciência para esperar.

Enquanto uma solução destinada a parecer definitiva não vem, medidas paliativas são aventadas toda semana: empréstimos franco-germânicos condicionados a rigorosas reduções dos déficits fiscais dos endividados; calotes administrados, capazes de baixar o endividamento para algo entre 50% e 60% do PIB; e ajuda financeira aos bancos credores, para que eles mesmos possam resolver seus rombos de caixa diretamente com os governos devedores.

"Os Estados-membros da zona do euro devem mudar as regras do jogo, para que a união monetária sobreviva, mas os líderes políticos da Europa não têm agido com determinação", diz Overtveldt. Por quê? Porque custam a acreditar que o problema é o euro. Culpam a especulação e a ganância dos mercados, as políticas irresponsáveis de alguns países-membros, as agências de rating... Não admitem que a falha é estrutural e sistêmica. Até quando?



"O Fim do Euro - A História da Moeda da União Europeia e Seu Futuro Incerto"

Johan Van Overtveldt. Campus. 248 páginas, R$ 69,90



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