terça-feira, 29 de maio de 2012

Tributo à Legião Urbana

Valor 29/05

As gravações do "MTV ao Vivo - Tributo à Legião Urbana", que acontecem hoje e amanhã no Espaço das Américas, em São Paulo, tendo à frente o guitarrista Dado Villa-Lobos, o baterista Marcelo Bonfá e o ator Wagner Moura, suscitam uma série de reflexões acerca de um dos maiores fenômenos da música jovem brasileira. Afinal, 16 anos após o término da banda de Brasília - anunciado semanas após a morte do cantor e compositor Renato Russo (1960-1996)-, o grupo continua a exercer um imenso fascínio.

Está em livros (por exemplo, "Renato Russo: o Filho da Revolução", de Carlos Marcelo, e "Como se Não Houvesse Amanhã - 20 Contos Inspirados em Músicas da Legião Urbana", vários autores), peças de teatro ("Renato Russo", musical estrelado por Bruce Gomlevsky e prêmio Shell carioca de melhor direção em 2006), produções cinematográficas ficcionais (os inéditos "Somos Tão Jovens", de Antonio Carlos Fontoura, e "Faroeste Caboclo", de René Sampaio) e documentários (caso de "Rock Brasília - A Era de Ouro", de Vladimir Carvalho).

Além de continuar em franca execução nas rádios e a gerar elevados dividendos em tempos de indústria fonográfica em frangalhos - os oito discos de estúdio foram remasterizados no estúdio Abbey Road, em Londres, em 2010, e lançados em três formatos distintos: digipack individual, caixa de edição limitada e vinil, todos acrescidos de encartes com textos e fotos inéditas. Recentemente, chegou às bancas de jornal e livrarias uma coleção com 15 títulos, entre discos ao vivo e o "Acústico MTV", gravado em 1992, e editado em 1999.

Segundo a EMI Music, gravadora do grupo, a Legião Urbana já vendeu 15 milhões de produtos relacionados. Só em 2011, o público levou três milhões de álbuns para casa. "Hoje tenho a clara noção de que entramos no imaginário das pessoas e temos enorme contribuição na cultura musical do Brasil, uma onda mítica interessante. Realizamos nosso sonho adolescente de banda de rock", diz Dado Villa-Lobos.

Todo esse poder de fogo legionário em plena década de 10 dos anos 2000 é sintoma de que a banda é a sobrevivente exclusiva - sobretudo, comercialmente falando - da geração dos anos 1980. Um tempo de redemocratização em que o rock era o som das massas - lembremos do álbum de figurinhas da banda RPM, que, por sua vez, teve a própria gravadora, a RPM Discos. Com dinheiro em caixa, a indústria musical brasileira finalmente tinha encontrado um formato. E a grande mídia, um manancial de personagens e assuntos. Um contexto sociopolítico riquíssimo, um "zeitgeist" tropical tão rijo que os mais desavisados têm a impressão de que o rock nacional só surgiu nos anos 1980.

Os protagonistas desse boom oitentista, no entanto, caíram num certo oblívio nos anos 1990 e 2000. Algo que não acometeu, por exemplo, os tropicalistas, que, no final dos anos 1960, retomaram os preceitos da antropofagia modernista de 1922. "A tropicália se articulou para ocupar seu espaço. A geração 80 não. O que houve, no segundo caso, foi uma oferta generosa de oportunidades. Revistas, jornais, rádios etc., todos mais ou menos irmanados na função de estabelecer uma mudança geracional que colocasse o Brasil em equivalência com o que acontecia no mundo", diz o jornalista e escritor Ricardo Alexandre, autor de "Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos Anos 80". "A questão é que a mudança geracional também foi implacável com a turma dos anos 80. Mas, pensando bem, muita gente avançou até os anos 2000. A questão é saber se uma geração que aprendeu a conviver com respostas de um mercado tão aquecido tem interesse em continuar produzindo num mercado tão reduzido. Pelo visto, não, né?"

Jornalista, escritor, agitador cultural e apresentador do projeto PósTV, Alex Antunes, um dos primeiros amigos que Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá fizeram em São Paulo, sente-se aliviado com o obscurantismo reinante. "Eu confesso que respiro aliviado com esse ostracismo. A produção da geração 80 é muitíssimo inferior à dos anos 70, com a tropicália, Mutantes, Secos & Molhados, Novos Baianos e Raul Seixas", diz Antunes, testemunha do show de estreia dos legionários na capital paulistana, na extinta casa noturna Napalm, em 1983. "Mesmo a Legião estava empenhada em decalcar coisas gringas nos arranjos, como The Smiths e U2. Acho isso vergonhoso, uma limitação que a perspectiva histórica está se encarregando de corrigir. Sempre me dava desespero quando as votações de melhores do rock brasileiro colocavam os oitentistas coxinhas no mesmo patamar dos velhos malucos."

O tal ostracismo, detalhe, chegou a alguém que integrou a banda. Coincidentemente, as primeiras informações do tributo foram veiculadas em paralelo à exibição de duas reportagens do programa "Domingo Espetacular", da Rede Record, onde o ex-baixista Renato Rocha, o Negrete, que atuou na Legião Urbana entre 1984 e 1988, aparecia como morador de rua no Rio de Janeiro.

Tema de debates acalorados nas redes sociais, o tributo à Legião Urbana será, de acordo com o diretor de programação da MTV, Zico Góes, um marco. "Juntar Wagner com os integrantes da Legião, que sempre foi adorada pela MTV e pela nossa audiência, nos pareceu incrível. Roteiro e direção de arte estão nas mãos do Felipe Hirsch [premiado diretor de teatro]", diz.

"Os ensaios estão ótimos, a banda está segura do desafio de tocar nossas composições. Wagner está sensacional, conhecedor do repertório como poucos. Estamos nos divertindo de verdade", conta Villa-Lobos. "Além disso, temos outros novos músicos nos ajudando, como o Rodrigo Favaro, baixista da Orquestra Sinfônica Brasileira", diz Marcelo Bonfá. Um convidado internacional também fará parte da celebração: o guitarrista Andy Gill, da banda inglesa Gang of Four, uma das prediletas da turma.

"Aqueles barulhinhos harmônicos da guitarra de 'Ainda É Cedo' têm mais a ver com o Andy Gill do que o The Edge, do U2", conta Villa-Lobos. "Foi uma grande surpresa ele ter aceitado o convite, vir lá do outro lado do mundo para participar do show. É uma honra, porque ele é uma grande referência para mim desde sempre."

Já Wagner Moura, em vídeo promocional, afirma: "Harold Bloom [crítico literário] diz que o mundo não seria o que é sem William Shakespeare. A minha geração no Brasil não seria o que é sem as músicas da Legião. Me sinto como um fã escolhido para estar no palco com caras tão importantes." Enquanto isso, um satírico Renato Russo, no álbum duplo ao vivo "Como se Diz Eu Te Amo", de 2001 - póstumo, portanto -, afirma: "Eu adoro ser idolatrado. Me amem". Dito e feito.



"MTV ao Vivo - Tributo à Legião Urbana"

Onde: Espaço das Américas (rua Tagipurú, 795, SP); hoje e amanhã, às 21h; R$ 200.

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