terça-feira, 29 de maio de 2012

Veja a Veja

Por Adriano Rubim

Uma parte do que a Veja publica é positiva, pois desmonta esquemas criminosos relevantes. Mas a equação não tem apenas esse lado. Cabe verificar os tratos que a revista faz para obter as denúncias que publica.


Quanto a isso, pode ser que ela tenha deixado de publicar coisas negativas que conhecia sobre suas fontes. Exemplo: é pouco provável que Veja não conhecesse a ilegalidade das operações de Cachoeira e as ligações dele com Demóstenes.Mas mesmo assim publicou matéria muito favorável a ele, chamando-o de mosqueteiro do combate a corrupção, nunca tendo dado a conhecimento de seus leitores as possíveis sombras que certamente sabia pairarem sobre Demóstenes.

Desse modo, Veja pode ter omitido informações relevantes de que tinha conhecimento, para preservar relacionamentos junto a fontes, ou por outras razões ainda menos transparentes.

Isso permitiu ou facilitou o avanço de Demóstenes na política e de Cachoeira na contravenção até níveis que não teriam se materializado se a revista tivesse divulgado problemas sabidos por ela sobre suas fontes.

A divulgação de um lado apenas de esquemas criminosos conhecidos pode, portanto, ter estimulado fortemente grupos de ação ilegal que se fizeram hegemônicos em Goiás e sabe-se lá onde mais no Brasil, com grandes prejuízos para a coletividade.

Assim, o problema não e o que Veja publica, mas o que deixa de publicar para obter o que publica. Importam também as razões e alianças que estão por traz disso. Esse fator e que precisa ser tornado transparente.

A hipótese de perseguição contra a Veja e a imprensa, para aliviar o mensalão, é algo que a revista levanta pra desviar o foco de suspeitas específicas que lhe atormentam. Isso pode ser mera manobra diversionista. Não se pode aceitar essa hilação como justificativa para deixar de investigar os fatos.

Da investigação das suspeitas específicas contra agentes graduados da revista pode se derivar a confirmação ou negação dos indícios de relacionamento indevido entre ela, Cachoeira e Demóstenes. Essa investigação deve ser de interesse inclusive da Veja, pois se ela for inocente ruirão as suspeitas levantadas.

Destaque-se: se ela for inocente!

Porque se não for, tentará de fato bloquear a investigação propriamente dita. Aliás, parece que tem tentado, o que tende a tornar ainda mais necessária a investigação.


Se por causa da manobra diversionista acima citada eu aceito a hipótese de não investigar a Veja, sobre cujas acões há indícios de irregularidade, inclusive gravações com autorização judicial, tenho que aceitar também a desculpa dada por Lula pro mensalão, pois ele diz que foi tentativa de golpe, arapuca da oposição, e por aí vai.

Nenhuma das duas manobras diversionistas acima deve ser aceita sem a necessária investigação. O mensalão está sendo investigado. O caso da Veja também precisa ser.

De mais a mais, quando Veja diz que as afirmações de conluio com Cachoeira e Demóstenes são cortina de fumaça pra aliviar o mensalão, um intérprete atento pode identificar que, na verdade, existe mais do que uma única cortina de fumaça nisso...

Com tanta fumaça, e vinda de tantos lados, só posso a desejar que os ventos de uma profunda investigação sejam lançados nessa história.

Ar puro ajuda a ver e entender melhor as coisas.

Penso que a imprensa faz e deve fazer, sim, investigação. Aliás, esse é um dos mais nobres papéis dela. Não raro a imprensa consegue ser até mais eficaz que a polícia na ação investigativa.

Se uma investigação é policialesca ou não, depende de qual sentido se atribui à palavra policialesca. Como não consigo delinear perfeitamente tal sentido, opto por examinar a questão sob um prisma mais objetivo.

Sob uma formulação mais objetiva, o que é errado é a imprensa conhecer, em sua investigação policialesca ou não, uma série de irregularidades, mas deliberadamente omitir parte delas, divulgando apenas (e convenientemente) o que se apura contra um lado.

Se fizer isso, a imprensa torna-se parte da engrenagem criminosa cujos malfeitos são acobertados e estimula a ação dessa engrenagem. E o faz deliberadamente, com vistas a atingir objetivos que podem ser os mais diversos, mas que certamente não se confundem com o interesse público, já que este não pode ser defendido mediante a proteção de facções criminosas.

Desse modo, em minha opinião, a imprensa está, sim, submetida a balizadores éticos em sua ação investigativa, não podendo defender ou proteger (via acobertamento) o lado de nenhum grupo criminoso, por exemplo, ao conhecer (e omitir do público) fatos que contra ele existam. Em poucas palavras: o acobertamento de crimes que tenham sido identificados não deve ser aceito na imprensa.

Exigir da imprensa esse norte ético não se confunde com cercear a liberdade de imprensa. É antes o contrário. É fortalecer a liberdade da imprensa em sua finalidade última, que é o oferecimento de informações fidedignas e tão imparciais quanto possível ao cidadão. Se admitimos que a imprensa selecione os bandidos que vai denunciar e acoberte os que não quer denunciar, aceitamos que a informação ao público seja parcial (nos dois sentidos), o que acaba por corroer um dos fundamentos da democracia; repita-se: o oferecimento de informações tão amplas, profundas e imparciais quanto possível ao cidadão.

Tampouco a exigência de balizadores éticos da imprensa a torna ligada a governos ou oposições. Pelo contrário, tais balizadores tendem a tornar a imprensa mais ligada apenas à materialidade dos fatos, e quem pauta a divulgação de notícias apenas pelos fatos conhecidos (todos eles e não parte deles) tem menos risco de ser amestrável pelo governo, pela oposição ou por quem quer que seja.

Portanto, a exigência de padrões éticos da imprensa é que gera sua real independência e torna possível alcançar um dos objetivos principais da democracia; a oferta de informações profundas, completas e imparciais ao cidadão, na máxima medida possível.

Quanto ao Collor, que foi identificado como um integrante do lado negro da força (eu mesmo fui um dos jovens cara-pintadas que fizeram pressão para derrubá-lo), o que se tem nele é uma expressão gritante das contradições que tornam surrealista a vida no País. Ele, que foi elevado à condição de campeão moral da direita contra Lula, primeiro deixou em vexame seus apoiadores com as irregularidades que depois surgiram, e agora se alia à esquerda para atacar um dos veículos mais identificados com a direita (a Veja).

Realmente, Collor está pra lá de uma "metamorfose ambulante" (Lula) e de um "esqueçam o que escrevi" (FHC).

O fato é que Collor foi apenas o primeiro de uma lista de anjos decaídos da direita. Depois dele vieram diversos, como o Arruda e agora o Demóstenes. Isso fragiliza a essência do discurso calcado em fatores morais que a oposição ao PT teima em utilizar. Assim como causa asco em alguns ver o Collor atuando como paladino da justiça, boa parte da população também não engole um discurso moralizante feito por pessoas como Arruda e Demóstenes.

É por isso que, em minha opinião, a oposição ao PT precisaria arrumar outro discurso para se construir como alternativa de poder. Ou arruma outro discurso ou arruma outros defensores desse discurso da moral. Defensores que de fato tenham a moral que falta a Collor em seu combate contra a Veja e em muitos da oposição, que se dizem grandes moralizadores, mas à vera têm é rabo de palha.

Aliás, bandidos não faltam também pras bandas do PT, só que ele, conhecendo bem suas (digamos) "limitações", adotou um discurso que não se liga a uma formulação facilmente atacável. Foi pelo lado da justiça social, da defesa do crescimento e do emprego, etc. Fazendo assim, escapou da armadilha de depender de um discurso que possa ser a toda hora facilmente desmontado.

Nessa linha, a oposição é hoje muito mais uma contradição à la Collor que o governo. Parece que o Aécio notou esse problema e está buscando um novo discurso, voltado para a eficiência administrativa e tal. Mas aí ele se complicou ao pedir (como de fato pediu e conseguiu) um emprego para uma prima do Cachoeira, a pedido de Demóstenes...

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