quinta-feira, 28 de julho de 2011

CHANGES



Por Rosi Moura
Rionet
Tudo começou com uma pergunta inocente, como começam tantas histórias simples ou complicadas, engraçadas ou trágicas. O curioso foi ter se dado lá na sala da casa mineira, na cidadezinha pequena, com um casal de amigos, em torno de umas boas pizzas. Ríamos muito de uns toques nos celulares deles, quando o dono do brinquedo berrante perguntou o de vocês tem bluetooth? Pausa. Risadaria. Não sabíamos. Aliás, mal sabíamos o que era aquilo. Um botãozinho, uma facilidade? Uma flor? Olha que uma das garnisés, lá no quintal, tá botando ovo azul!

Três idades estavam ali reunidas: uma anciã, dois adultos e dois jovens. Sem maiores surpresas, as novidades partiam dos mais novos naquela noite extremamente fria, perfeita para o vinho tinto. A senhora, do alto de seus oitentinhas, olhou firme e recomendou que não permitíssemos aquele negócio de um mexer no blutuf do outro. Dobraram os risos, entre tentativas de explicar e entender a coisa. Tudo esclarecido, começaram as providências. Aperta a sua tecla, quer qual música?, cê tá sem memória.

Antigamente, estar sem memória era caso sério e preocupante. Ali era questão de escolher quais mensagens deletar (verbo razoavelmente jovem). E seguiu-se um tal de vira o aparelho pra cá, procura a melhor posição, olhar maroto de um lado, gargalhada de outro e pronto. Em menos de vinte minutos tínhamos os toques galhofeiros (e até minha adorada Clair de Lune) em nossos telefones móveis. Bluetooth não é botão de flor nem dente azul, é onda de rádio de curto alcance. É tecnologia, é empresa, é marca. Registrada.


Isso integra a vida dos idiomas. Todos. Expressões são cunhadas de súbito, velhos vocábulos ganham diferentes sentidos. Às vezes, mudam os objetos sem alterações nos nomes. Antena era uma coisa grande e feia no telhado e outra pequena e chifruda em cima da televisão, desafiando qualquer decoração interior. Agora é uma coisa diminuta, invisível, no interior de celulares e afins. Afim podia ser junto, com afinidade, ou separado, explicando motivo. Agora temos o estar a fim, ou seja, querendo alguma coisa.

O Português do Brasil é uma alegria, ainda é doce como soube a Eça de Queiroz. Continua com seu gerúndio meio fora do eixo, em estilo anglo-saxão, continua abraçando estrangeirismos com a mesma cordialidade com que abraçamos turistas, continua muito vivo. E não é o único que padece de interferências. É apenas o idioma que entendemos melhor. Ou o que não entendemos melhor. Lógico, o repertório do falante nativo garante menor dificuldade de compreensão. Se hoje eu disser isso é uma brasa, mora?, os adolescentes vão estranhar e rir, mas pensarão em algo quente. Alguns talvez saibam dessa e outras expressões cunhadas pela antiga “jovem guarda”, do tipo essa garota é papo firme. Gíria morta de um rei que continua bem vivo e ativo. Acontece.

Às vezes, também acontece a permanência de significante, apesar de transformação completa do significado. Me ocorre, neste instante, que Marta Rocha era nome de Miss Brasil. Agora é nome da Chefe da Polícia Civil.

Rosimere Fonseca de Moura, servidora aposentada, é professora de Português, escritora e poetisa, autora do livro Modos e Marés.(rosimere.moura@bcb.gov.br)

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