sexta-feira, 29 de julho de 2011

A síndrome da pressa


“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. (José Saramago).

J. Augusto V. Camera
RIONET
A partir dos anos 90, a determinação política da nossa elite de alinhamento incondicional à política neoliberal americana provocou profundas mudanças estruturais no mercado de trabalho brasileiro.
Novos conceitos de gerenciar em face dos trabalhadores foram difundidos e implantados. Incrementou-se intensa pressão psicológica sobre o trabalho. Constantes ameaças de demissão e aviltamento do ganho do trabalho era a tônica.
Os profissionais foram submetidos a uma concepção que mais adiante resultaria em problemas psíquicos e de saúde. A doutrina neoliberal definia cuidadosamente condutas politicamente corretas a serem acatadas pelo trabalhador de modo a se extrair o máximo do indivíduo pelo menor custo. O desemprego estrutural funcionava como um catalisador.
Muitos lembram como eram valorizados o empregado ou servidor público que trabalhava além do horário sem receber pela hora extra, como indisfarçada forma de se driblar a lei e reduzir mais a remuneração.
No Banco Central, entre outras perguntas estampadas na avaliação do concursado em estágio probatório uma delas inquiria se o servidor se dispunha de bom grado a ficar depois da hora, trabalhando e sem receber pelo tempo extra. E tudo era urgente. Era a gênese da neurose institucionalizada.
Na iniciativa privada, o empregado que, exaurido, não mais correspondesse em decorrência da precarização da saúde era trocado por um dos milhares de desempregados disponíveis, como se fora a peça defeituosa dessa diabólica engrenagem. O desemprego e a estagnação da economia eram um farto combustível para essa máquina cruel.
Diante das considerações expostas, selecionou-se um texto sobre qualidade de vida oriunda de uma reportagem assistida no Jornal Hoje da Rede Globo, que descrevo a seguir para que as pessoas tenham consciência dos efeitos danosos causados através dos equívocos e desatinos da era Collor/FHC.

Eis o texto:


Você é daqueles que assume vários compromissos ao mesmo tempo com frequência? Sente-se culpado se não está produzindo? Costuma interromper a fala das outras pessoas? É impaciente? Faz as refeições correndo ou tem sono agitado? Está sempre em estado de alerta? Reserva tempo para lazer e tem contato com a natureza? Aproveita a companhia da família sem pressa e sem estresse?
Caso responda “sim” às primeiras perguntas, deverá pensar mais na qualidade de vida.
Sigmund Freud descreveu já no início do século XX os sintomas da neurose da ansiedade, denominada hoje pela Associação Brasileira de Psiquiatria como transtorno da ansiedade generalizada, conhecida entre os gestores de Recursos Humanos como a síndrome da pressa.
Geralmente é identificada em pessoas que trabalham em regime de pressão, assumem inúmeros compromissos, têm muitas tarefas e tentam executá-las o mais rápido possível.
Não é muito difícil encontrar alguém assim num mundo que é controlado pelo tempo, pelas metas e pelos resultados. Um ambiente de trabalho desequilibrado é propício para que os colaboradores desenvolvam esse distúrbio.
Se essa correria toda for constante será extremamente prejudicial à saúde física e mental. O estresse que tal comportamento gera é elevado. Médicos alertam para o risco de infarto, de surgir úlceras e gastrites, de depressão, além de prejudicar as relações sociais e afetivas. Sabe-se que funcionário doente é sinônimo de produção comprometida.
Quando o trabalho é cercado de pressão pelo cumprimento de metas, mais produção e cobrança pela superação dos limites, alguns funcionários podem até corresponder, num primeiro momento. Afinal, é preciso se destacar.
Sidney Zenobio, gestor de RH da Gnetwork ressalta que “até certo ponto, é positivo, mas não em demasia”. Não demora a comprometer a qualidade do desempenho. “O profissional fica com dificuldade de se concentrar e a criatividade é afetada em decorrência do imediatismo na hora de resolver os problemas”, lembra.
Christian Barbosa, especialista em gerenciamento de tempo e produtividade, explica que é comum haver inversão de valores sobre o que é de fato urgente e importante.
Saber priorizar tarefas e ter um planejamento consistente sobre as metas são fundamentais para que haja um bom resultado. Com isso, muitas “urgências” podem ser evitadas. Uma pesquisa realizada pela Triad PS no ano passado, com 1600 pessoas, revelou que 33% delas gastam até duas horas do expediente com ações improdutivas, tais como e-mails particulares, redes sociais, compras pela internet etc.
O especialista assinala que muitas vezes a pessoa desenvolve a síndrome da pressa porque lá trás ela gerencia mal o tempo dela. A pesquisa mostrou que 80% dos brasileiros enrolam entre 30 minutos e três horas por dia, na média. No final do dia, acabou o tempo, e a pessoa descobre que ainda tem milhares de coisas a fazer.
Pronto – entra no modo “pressa”, atropela todos, gera urgências para todo mundo e, não raro, faz hora extra ou trabalha no final de semana. Noutra ponta está aquele que soube priorizar o que de fato era importante, assumiu o controle do tempo, cumpriu as tarefas e terminou o expediente dentro do horário.
Saber controlar a ansiedade e desacelerar é um desafio para o bem da própria saúde. Muitas vezes, o portador do transtorno da ansiedade generalizada não tem noção do comportamento nocivo. Para Sidney Zenobio, da Gnetwork, “quem não lida bem com o tempo sofre mais”.
Mudar esse tipo de comportamento não é fácil. Requer determinação, assim como acontece com quem quer emagrecer ou parar de fumar.
Christian Barbosa aponta que há sistemas que facilitam o gerenciamento do tempo, como planilhas ou programas desenvolvidos por consultorias. Na verdade, bastaria um simples caderno para anotações.
Mesmo assim, 70% das pessoas que começam um processo de reorganização do tempo desistem em três semanas. É comum que as pessoas com a síndrome digam que um sistema, uma planilha para colocar tudo que precisam fazer, as fará gastar mais tempo que executar direto as tarefas. “É justo o contrário – planejamento ajuda a ter mais tempo para fazer o que se quer de verdade”, afirma Barbosa.
Não existe receita pronta para resolver o problema. “Cada um precisa analisar, ver o que está errado e se existe algo em excesso ou faltando para alcançar o equilíbrio”, recomenda Zenobio.
“Temos que parar e entender que: o problema não é que as pessoas não tenham tempo. Elas o têm de sobra, mas usam mal. Fazer a gestão e aprender a gerenciar o tempo é urgente”, salienta Barbosa.

J. Augusto V. Camera é Advogado Especialista e Analista na Adrja

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