terça-feira, 26 de julho de 2011

Vaga lembrança

Roberto de Carvalho Vivas
Servidor aposentado – Rio de Janeiro - robertovivas@bcb.gov.br

RIONET


Ninguém pode duvidar que o dicionário perdeu a identificação de “pai dos burros” para o Google, que ensina muito mais que sinônimos. E com tanta informação lá guardada, todos temos agora um espaço vago na memória, com uma única mensagem pulsando “Esqueça! Tem no Google”!
Até há bem pouco tempo, entre nossos parentes, amigos ou colegas, havia sempre um cara erudito, de memória privilegiada, que respondia a tudo “de cabeça”, sem qualquer consulta. Geralmente era identificado – ou apelidado – como Professor Pardal ou coisa parecida. Nas épocas de prova, era difícil encontrar lugares vagos ao seu lado na sala. Aqui no BC, não raro, eram fonte de consultas dos demais: “Qual é mesmo a circular que trata disso”?... À pergunta do “como conseguia”, ele brincava “Antes de dormir, leio sempre uma resolução e uma circular do BC”.
Hoje não há mais necessidade de demonstrarmos nossa ignorância, ou a preguiça. Tudo fica disponível, em segundos, a partir de um celular, iPad, iPhone, notebook, etc.: resoluções e circulares do BC, números de telefones, trajeto de ruas, afluentes da margem esquerda do rio Amazonas, receita do bolo da vovó, como fazer barquinhos de papel ou a divertida cama de gato de barbante.
Para aqueles que tem mais de 50 anos, isso é um alívio. Chega justamente na hora em que os episódios de exercício de memória começam a nos deixar encalacrados. E como sempre há espertos para tudo, na rua - nas imediações do BC mesmo – devemos ficar atentos com a frase “Ôôôô, quanto teeempo!”, se partir de alguém que portar uma pasta grande. É que já há uma técnica de venda com abordagem de pessoas cuja aparência denotam pouca memória ou muita idade. E depois da pergunta inicial, o objetivo de parar-nos é conseguido, com nossos neurônios procurando a identificação da pessoa. Vem então um chororô “Estou em dificuldades e vendendo umas coisinhas. Não quer ajudar o antigo amigo”?
Melhor forma de um bom uso dessa memória, seria imaginarmos o que Google não pode guardar. As fases da cama de gato de barbante – cujo nome nunca entendi – estão lá, mas não o sentimento gostoso das risadas ou mesmo da irritação dos filhos pequenos, diante do erro na brincadeira. Também os movimentos das mãos para formar a sombra de bichos na parede estão lá, mas não que a brincadeira ocorria diante da vela acesa trepidando, ante a falta de luz, e que a chama tornava o ambiente meio fantasmagórico, o que causava um certo medo nas crianças. E a lembrança do cheiro e do sabor gostoso do bolo quentinho da receita da vovó, recém-saído do forno?... Não tem no Google!
Dizem sabiamente os vascaínos “o sentimento não pode parar”! E é ele que a web nunca vai guardar. Cabe-nos ocupar o espaço liberado pelas modernidades, preservando e repassando para filhos, netos e coleguinhas deles os prazeres e as sensações maravilhosas do convívio familiar saudável e constante, seja através de uma brincadeira tradicional, seja de um momento de oração, seja assistindo um filme, etc., etc. Pela preservação da “vaga lembrança”, porque o resto tem no Google!

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