segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Um soldado que não dorme bem à noite


No último sábado, vi o Dossiê Globonews – Segredos de Estado, entrevista do repórter pernambucano Geneton Moraes Neto com o soldado americano Ethan McCord.O que vem a seguir é sobre esse programa. Foi retirado do site G1. É parte de um texto longo, mas a leitura vale a pena. E vale mais ainda ver o vídeo completo da entrevista com o soldado (link no fim). Essa entrevista é chocante.

O programa começa com um vídeo do exército americano, vazado por outro soldado: um pai, que levava dois filhos à escola numa van, vê feridos na rua e tenta socorrê-los. No fim do texto que segue, extraído do site, há dez declarações do soldado Ethan McCord. Eis a sétima: “Eu diria a George Bush que ele nos usou por motivos ilegais e imorais. Espero que ele não durma bem à noite. Tomara que as imagens dos soldados e de suas famílias e dos mortos no Iraque e no Afeganistão o assombrem toda noite. E continuam assombrando-o pelo resto da vida”.

acoelhof Fortaleza
(acoelhof@gmail.com)


A partir de hoje, sábado, 3/9, a Globonews levará ao ar, diariamente, sempre às 20:05 (com reprise à meia-noite e meia), o Dossiê Globonews: Segredos de Estado – uma série de oito entrevistas inéditas com personagens pouco conhecidos do público. Durante três semanas, o locutor-que-vos-fala percorreu os EUA, em companhia do cinegrafista Eduardo Torres, no encalço de espiões, ex-agentes da CIA, pilotos militares, diplomatas. Haverá reprises extras, às 8:30 e às 16:30.

O primeiro personagem a entrar em cena na série Dossiê Globonews: Segredos de Estado é um soldado americano que viveu um drama inesperado na Guerra do Iraque: ao se aproximar de um carro atingido por um bombardeio, ele descobriu que havia duas crianças dentro do carro. O que fazer? Se fosse cumprir rigorosamente os códigos militares, o soldado não teria socorrido as crianças. Afinal, não é papel de um soldado socorrer feridos do “lado inimigo” – ainda que sejam crianças, atingidas “por acaso”.
Mas o sentimento de solidariedade fez com que o soldado tentasse salvar as duas crianças que, por um grande azar, tinham ido parar no meio de um bombardeio. As duas estavam a bordo de uma van dirigida pelo pai. Depois de socorrer as crianças, o soldado passou a ter pesadelos.
Pior: chegou a ser admoestado por seus superiores. Virou motivo de piada entre os colegas. Logo depois, teve de voltar aos EUA, por ter sido ferido numa explosão. De volta para casa, tentou se matar porque não conseguia conviver com o chamado “stress pós-traumático”. A lembrança das crianças feridas o atormentava. Terminou se engajando numa campanha contra a Guerra do Iraque. Nome do soldado que virou pacifista: Ethan McCord.
A história terminaria aí: um veterano de guerra convivendo, em casa, com seus fantasmas. Mas o caso teve uma reviravolta espetacular. Toda a operação militar – que resultou no bombardeio da van que conduzia as crianças – tinha sido gravada pelo Exército americano. Ao ver as imagens, um outro soldado resolveu passar o vídeo, secretamente, para o Wikileaks (a organização que se especializou em divulgar documentos secretos de governos). Tornadas públicas, as imagens provocaram choque, indignação, pavor. São – de fato – impressionantes. Ninguém fica indiferente a elas. Um novo drama começou: o autor do vazamento foi imediatamente identificado pelo Exército. Era um soldado de vinte anos chamado Bradley Manning. Preso, ele foi imediatamente retirado do Iraque, levado ao Kwait e, afinal, “recambiado” para os Estados Unidos, onde chegou a ser submetido a um regime de isolamento numa prisão militar. Agora, aguarda julgamento. É provável que o autor do vazamento vá passar os próximos anos atrás das grades, por ter desobedecido a uma série de códigos militares. Afinal, divulgou imagens e documentos confidenciais das Forças Armadas. Em um e-mail, o soldado dizia que iria vazar o vídeo do bombardeio porque queria provocar um debate planetário sobre abusos cometidos na Guerra do Iraque. Ou seja: a intenção era a melhor possível. O problema é que, no mundo real, boas intenções podem ser passíveis de punição severa.(...)Aqui, trechos da entrevista que a Globonews levará ao ar. O soldado Ethan McCord – que, depois de socorrer crianças, virou pacifista – nos recebeu em casa. O programa exibirá as imagens que Bradley Manning vazou para o Wikileaks. Os dois – McCord e Manning – vivem dramas diferentes. Manning continua numa prisão militar, à espera da hora de ir para o tribunal. McCord convive, em casa, com os fantasmas que o atormentam desde o dia em que descobriu que, dentro da van destroçada por um bombardeio, havia duas crianças:

1) “Os EUA, principalmente nas Forças Armadas, retrataram o país todo como vilão. Fizeram com que a gente visse todos os iraquianos como inimigos. Eu achava que o Iraque era um país cheio de terroristas”;

2) “Arrombávamos portas com máscaras de caveira. Tirávamos moradores de suas casas no meio da noite. Batíamos nas pessoas. Atirávamos em gente inocente. A maioria das pessoas mortas no Iraque eram homens, mulheres e crianças inocentes. Nós é que éramos os terroristas”;

3) “Eu estava animado para ir para o Iraque, porque achava que seria uma espécie de herói. O que eu esperava era levar liberdade e democracia para gente que tinha sido oprimida durante tanto tempo. Eu achava que estava indo para uma guerra justa”;

4) “O surpreendente é que fui para o Iraque para levar a liberdade aos iraquianos. Mas os iraquianos é que me libertaram. Os iraquianos me libertaram de ser um escravo cego do meu governo. Abriram os meus olhos para o mundo à minha volta”;

5) “Soldados riram de mim. Disseram que eu tinha coração mole. Ou que eu parecia uma mulher por me preocupar com crianças. Outros soldados me disseram que, se estivessem lá, teriam atirado na cabeça das crianças, porque elas seriam futuros terroristas. O Exército treina os soldados para acreditarem que as crianças do Iraque ou do Afeganistão vão ser terroristas”;

6) “Depois de voltar do Iraque, tentei me matar, pelo sentimento de culpa de ter participado daquilo. Emocionalmente, é extenuante até hoje. Tenho flashbacks. Sempre que fecho os olhos, vejo corpos. É muito traumatizante”;

7) “Eu diria a George Bush que ele nos usou por motivos ilegais e imorais. Espero que ele não durma bem à noite. Tomara que as imagens dos soldados e de suas famílias e dos mortos no Iraque e no Afeganistão o assombrem toda noite. E continuam assombrando-o pelo resto da vida”;

8) “Não sou dissidente. Sou muito patriota. Amo o meu país. Amo o povo do meu país, mas amo também toda a Humanidade, todas as pessoas do mundo”;

9) “Se me arrependo de ter matado gente no Iraque? Com certeza. As pessoas que matei no Iraque, tivessem elas armas ou não, vão me assombrar pelo resto da minha vida. Vou para a sepultura assombrado pela imagem dos rostos das pessoas que matei”;

10) “A grande mídia dos EUA não dá espaço para veteranos que se opõem à guerra, pois somos vistos como loucos. Mas os que apoiam esta guerra é que são loucos”.

O vídeo completo.

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