segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Fomos maus alunos


Já faz tempo, li Fomos maus alunos, uma conversa entre Rubem Alves e Gilberto Dimenstein.
Imperdível, aprende-se com esse livro muito mais do que nas escolas. Recomendo ainda mais para quem tem filhos.
seguem trechos do livro:

Rubem – Gilberto, você disse que se formos fazer um teste de química ou física, não saberemos. Então, voltando à questão do vestibular, o fato é o seguinte: se fizermos vestibular, seremos reprovados, os reitores e os professores das nossas universidades serão reprovados; os professores dos cursinhos serão reprovados, porque cada um só passará na sua disciplina. Os que fizeram as questões dos vestibulares serão reprovados, porque eles também só passarão nas suas disciplinas. Se todos serão reprovados, por que os alunos têm de passar no vestibular? Não há a menor razão para que passem no vestibular. Deixe-me retornar o que você disse. Achei legal! O que se aprende não é o resultado; aprende-se no ato de aprender. Isso tem a ver com aquele aforismo do Guimarães Rosa, de que o real não se dispõe nem na saída nem na chegada, mas na travessia...
(...)
Gilberto – E dizer: Olha, isso que você está ensinando não é educação. Você pode até continuar na escola, mas... Eu acho que, nesse nosso papel, talvez a gente nunca consiga mudar a escola. Talvez a escola seja uma instituição para acalmar o medo humano da incógnita. No entanto, a gente pode dizer: "Isso tudo é uma fraude!"
Rubem – Você falou em denunciar a fraude e me fez lembrar de uma história do Andersen, A roupa nova do rei. Você conhece a história?
Gilberto – Como é?
Rubem – Um rei era apaixonado por roupas, adorava roupas. Mas ele era um rei muito simplório. Um dia, dois espertalhões foram falar com o rei e disseram que eram capazes de produzir uma roupa tão maravilhosa, mas tão maravilhosa que somente as pessoas muito inteligentes, as mais bem dotadas seriam capazes de ver. Os espertalhões queriam fazer essa roupa para o rei. Ele ficou encantado. Então os espertalhões foram lá, levaram os teares, e começaram a tecer... Nada. E teciam e teciam, e o rei foi lá. "Majestade, olha que cores lindas!" O rei não viu nada, mas, como sabia que somente as pessoas muito inteligentes veriam a roupa, disse: “Mas que coisa linda!”. Aí ele mandou o ministro da Educação: o rei tinha visto, os homens tinham visto. O ministro da educação viu. O rei foi mandando todos os outros ministros. Todos os ministros viram aquela roupa e acharam-na absolutamente maravilhosa. Então, se anunciou o dia em que o rei iria desfilar em praça pública com a tal roupa maravilhosa. E o rei peladão saiu às ruas. A banda de música tocando, todo mundo olhando e dizendo: “Oh, que roupa maravilhosa do rei!”. E o rei continua, até que, um menininho, trepado no alto de uma árvore, diz: “O rei está pelado!”

acoelhof


Abaixo extraído do blog Meia Palavra

Durante a entrevista que fizemos recentemente com o Professor Rubem Alves, para as 10 perguntas e Meia, surgiu um questionamento fora do roteiro de perguntas:

Meia Palavra – Se você teve a mesma educação que outras crianças da sua época, o que fez você pensar a educação de modo diferente?”

Rubem Alves – É que eu sempre fui um mau aluno. Inclusive, anos atrás, o Gilberto Dimenstein surgiu com uma idéia: “Por que não nos reunimos para conversar informalmente sobre nossa experiência escolar? Gravamos a conversa e ela poderá se transformar em um livro”.

Assim surgiu o livro Fomos Maus Alunos, que é construído literalmente da conversa informal entre dois educadores fantásticos. De um lado o filósofo, terapeuta e professor Rubem Alves. Do outro, o jornalista e comunicador Gilberto Dimenstein. Ambos definem um ao outro como educadores, e é exatamente sobre educação que eles discorrem o diálogo delicioso que compõe esse livro.


O início passa pela experiência mal sucedida na escola. Gilberto tinha déficit de atenção, péssima dicção, sintomas de hiperatividades e babava o que deu a ele o nome de Gil Babão. Rubem Alves não teve vida fácil também, ao se mudar para o Rio de Janeiro foi motivo de chacota por conta das roupas esquisitas e o jeito mineiro de falar marh, carhne. Segundo o professor Rubem: “Parece que essa experiência força a gente a desenvolver recursos pessoais para lidar com a vida”.

A partir da experiência como maus alunos os dois começam a discorrer sobre assuntos diversos sempre com um olhar diferente sobre a educação. A substituição do vestibular pelo sorteio; a escola como uma casa de gestão de curiosidade; a intersecção entre o jornal e a escola e o comunicador e o educador; o papel da escola em um mundo em que o nível de informação que surge é muito rápida; o questionamento das certezas e o prazer da incógnita.

Há uma tentativa de separar o dialogo por capítulos, tentando captar a idéia principal de cada trecho da conversa. Porém Gilberto termina o livro dizendo: “As conversas não tem fim. Assunto puxa assunto. Não há conclusões. Não há amarrações de conhecimento. As linhas ficam soltas…”. O melhor é ignorar os capítulos e deixar a conversa solta dos dois te levar pelas divagações dos dois amigos. Aos poucos vamos percebendo que estamos concordando, e dando nossas próprias opiniões como se de fato estivéssemos dialogando com os dois educadores.

Mesmo que o gosto por não rabiscar livros seja mais forte, é irresistível não anotar alguns trechos ou até mesmo grifar, marcar ou entupir o livro de post-its coloridos. São tantas as passagens intrigantes: “informação só tem relevância se tiver significado para o leitor”; “Os livros devem ser janelas e ao mesmo tempo espelho”; “um dos problemas do aprendizado é que o aluno não vê o professor aprendendo”; “a escola é o antiprazer da incógnita”; “não saber é o inicio da aprendizagem”.

Em uma obra deliciosa que desperta um novo olhar sobre a escola, o professor, o aluno, a vida com o interesse de reinventar a educação para que ela seja parte do cotidiano. Sem dúvida esse livro não termina ao virar da última página, mas ele desperta o início de inúmeras discussões e ações voltadas para educação.

Fomos Maus Alunos
Autor: Gilberto Dimenstein e Rubem Alves
Editora: Papirus
Páginas: 128
Preço sugerido: R$ 32,50

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