quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Estraga terreiro


Rionet


Por Rosi Moura

Um amigo ligou dizendo ter deixado um casal de garnizés lá em casa. Esse trem só acontece em Minas, claro. Ficamos curiosos. De que tipo seriam? Liga pra família. Sim, estavam lá, pequenininhos. Não nos ocorreu pedir uma foto no Facebook. Mais de vinte dias se passaram antes de podermos conferir.
Eram do tipo mais gracioso possível. Garnizé parece poodle, tem grandinho, médio, miúdo. Os nossos eram número zero. E o macho era todo branco. Exceto a crista, vermelhíssima. E já eram crescidos, ou seja, miniaturas para sempre. Um adorno.
Com o passar do tempo, descobrimos que o galinho branco era feroz. O que tinha de pequeno, tinha de abusado. Sem mais delongas, ele partia pra cima do galo grande, chefe do outro lado do terreiro, tentando enfiar-se pelas frestas do portão de madeira. O bichinho insistia tanto que ficava todo machucado. Ia preso. Passava um mês na casa dos cachorros que não temos, com sua fêmea original. Bastava soltar pra valentia voltar com tudo. Sem remédio. E sem descanso, porque qualquer bobeada era suficiente pro branquinho invadir o terreno do outro e desafiá-lo com esporas. Aí corresse quem pudesse para salvar o miúdo antes que a briga fosse fatal. Meu marido começou a perder a paciência.
Eu falava a favor do pequenino, posto que os animais estão fadados a seguir seus instintos. Evidentemente, nota-se diferença entre essas criaturas, havendo até mesmo leões mais dóceis que outros. Mas inexistem leões mansos como cordeiros. Galos brancos são sempre brabos. No pequeno, a brabeza concentrou. E enquanto falava, revia, de memória, muita gente.
Quantas vezes, em situações familiares, profissionais, de tráfego e outras, assisti manifestações dignas de um bom garnizé. De gente visivelmente mais fraca, fosse qual fosse o quesito, provocando, desafiando, enfrentando gente mais forte. Causando ferimentos pra todo lado. Sem razão, e sem a desculpa do instinto, embora com a mesma petulância e a mesma ignorância do galinho lá do quintal. Fico com pena. Dó.
Na semana passada, perdi a última audiência de apelação, esgotaram-se minhas possibilidades de recurso. Minha mãe ainda tentou negociar, alegando ser o bichinho um enfeite, um bibelô vivo. O juiz do caso sentenciou: é um estraga terreiro. E passou-lhe a faca. Acho que fiquei um pouquinho triste, mas me lembrava daquela musiquinha do pato: “tantas fez o moço, que foi pra panela”. Tem gente que nunca pensa nisso.

Rosimere Fonseca de Moura, servidora aposentada, é professora de Português, escritora e poetisa, autora do livro Modos e Marés.(rosimere.moura@bcb.gov.br)

Nenhum comentário:

Postar um comentário